1. Concentração [Dhárañá] é a fixação de citta em um objeto.
2. Meditação [Dhyánam] é a continuidade da cognição nesse único objeto.
3. Samádhi é perceber-se como a própria medida do objeto, esvaziando-se de sua própria forma.
4. Estes três passos reunidos são o Samyama (meditação intensa).
5. De sua conquista se origina o mundo do conhecimento natural [prajnaloka].
6. Sua aplicação é gradual [por etapas].
7. Os três são axgas internos para os seus precedentes.
[Angas são cada uma das oito partes que compõem a prática do Yoga. No segundo capítulo dos Sutras Patañjali descreveu os cinco primeiros angas, que são considerados “externos” por produzirem efeitos perceptíveis para quem observa o praticante].
Axga: órgão, membro, ou qualquer parte autônoma e independente dentro de um corpo ou organismo. Em sânscrito, a formiga, cujo corpo apresenta as partes claramente separadas (cabeça, tronco, abdome, patas, antenas) é chamada axganí (tanajura). Era assim que se apelidavam também as mulheres de cintura estreita e quadris largos.
8. Eles, porém, são axgas externos do nirbíjam (“sem sementes”)
9. A transformação [de citta] pela prática do nirodha (recolhimento das vrttis) é a conexão de citta aos momentos em que ocorre esse nirodha, ou seja, seu fortalecimento e enfraquecimento na prática freqüente [samskára] do nirodha e da dispersão [vyutthána]. [Esta transformação é viabilizada pelo Samadhi].
Sutra III, 9 A primeira transformação de citta – Samadhi.
10. Sua tendência à tranqüilidade advém do samskára [hábito].
11. A transformação de citta pela prática do Samadhi é a destruição e o ressurgimento da concentração num único ponto [ekágrata] e da distração [sarvártha].
Sutra III, 11 A segunda transformação de citta – Dhyana.
[Esta transformação é viabilizada durante Dhyana].
12. Daí, mais uma vez, a transformação de citta pela prática da concentração num único ponto [ekagrata]. é a percepção clara e diferenciada [pratyaya] e a identificação genérica [tulya] naquilo que é indistinto [çánta] e no que é destacado [udita]. [Esta transformação é viabilizada por Dharana].
Sutra III, 12 A terceira transformação de citta – Dharana.
13. Assim se explica [vyákhyáta] a transformação de estado [avastha] e de comportamento [dharma lakõana]. nos elementos e nos órgãos. [Patañjali preocupa-se em precisar a origem das transformações físicas e psíquicas que acontecem no organismo do praticante de Yoga. Todas elas são conseqüência das transformações da condição de citta durante a prática do samyama].
14. É uma condição decorrente de modos de ser que não poderiam ser descritos como indistinto [çánta] ou destacado [udita].
15. As causas das diferenças nas transformações de citta são as diferenças de método [krama].
Sutras III, 14-15 A diferença entre as distintas transformações não pode ser percebida senão pela maneira como acontecem por isso não importa qual delas opera, mas sim os resultados que são percebidos, e que passam a ser descritos a partir do sutra 16.
16. Da meditação intensa [samyama] sobre a tripla transformação [pariñáma] de citta, surge o conhecimento do passado e do futuro.
17. O som da palavra, seu objeto e sua idéia confundem-se na mente; do Samyama sobre suas diferenciações [pravibhága] vem o conhecimento das vozes de todos os seres viventes.
Uma série de resultados são apresentados para a prática do samyama. A cada resultado está associada uma força ou habilidade psíquica, chamada siddhi. Todos os siddhis são meros indicadores de transformações interiores obtidas pelo exercício da meditação intensa (samyama). A meditação é a integração da mente do yoguim ao objeto de sua meditação
18. Da observação direta dos samskáras, provem o conhecimento das vidas passadas.
19. [Da observação direta] das idéias, o conhecimento proveniente de outros cittas.
20. E não está relacionado a isso o que é proveniente de sua mera existência mundana.
[O autor deixa claro neste sutra que o disposto na frase anterior se refere ao conhecimento derivado dos núcleos espirituais nas mentes alheias, e não das idéias traduzidas por suas limitadas personalidades materiais. Trata-se, naturalmente, de uma comunicação com citta, indiretamente, através do contato com as idéias de um outro indivíduo.].
21. Do samyama sobre a forma do corpo provem a suspensão da capacidade de captação, pela combinação da imagem com os olhos, e [portanto] o seu desaparecimento.
22. Da mesma forma se descreve o desaparecimento das palavras, etc.
23 O karma atua com rapidez ou com lentidão. Do samyama sobre isso, ou sobre os sinais de degeneração do corpo, vem o conhecimento da morte [aparánta].
24. Sobre a amizade, etc., as respectivas forças 25. Sobre as forças, as forças do elefante, etc.
26. Através da aplicação sobre a manifestação objetiva, o conhecimento do sutil, o oculto e o distante.
27. O conhecimento do universo vem do samyama sobre o Sol.
28. Sobre a Lua, o conhecimento da organização das estrelas.
29. Sobre a Estrela Polar, o conhecimento do seu movimento [das estrelas]. [Pois as estrelas parecem girar ao redor da Estrela Polar].
30. Sobre o chakra do umbigo, o conhecimento sobre a organização do corpo.
31. Sobre o “pomo de Adão”, o fim da manifestação [vqtti] da fome e da sede.
32. Sobre o Kúrmanáòi (o “canal da tartaruga” na anatomia sutil), a firmeza. [A firmeza do corpo e do caráter individual].
33. Sobre o brilho [jyotis] da cabeça, a visão dos siddhas.
[O brilho da cabeça mencionado aqui é a cintilação das forças psíquicas nos centros de atividade que se situam na cabeça – o que inclui alguns chakras.
A meditação sobre essas forças traria uma visão clarividente ao Yoguim. Os siddhas são os indiví- duos dotados de poderes psíquicos como esses descritos nos Sutras].
34. Do conhecimento intuitivo [prátibha], tudo [se conhece].
35. Sobre o coração, o reconhecimento de citta.

Esta figura com doze pétalas representa o chakra do coração, chamado de anahata. O mantra Yam ressoa em seu centro
36. Sattva e Purucha são extremamente diferentes; o entendimento da inseparatividade de ambos é a experiência baseada na existência de Sattva pelo interesse de outro; do samyama sobre o autointeresse vem o conhecimento de Purucha.
37. Daí nascem o brilho da inteligência, a audição superior, o tato sutil, a vidência, o paladar sutil e o olfato sutil.
38. Estes siddhis são obstáculos ao samádhi e são a perfeição da mente exterior.
39. Do afrouxamento do “agente amarrador” [bandha káraña] e do aprendizado sobre o modo de manifestação da individualidade [pracára] de citta, [se obtem a técnica para] a entrada nos outros corpos.
Sutra III, 39 Esse “agente amarrador” é constituido pelas forças que emanam de citta através das suas manifestações materiais [vittis], e que prendem citta firmemente ao corpo, como se fossem um cordão. Alguns livros fazem referência a ele como “cordão de prata”, que não deve ser confundido com o fio de prata que representa o antahkarana
40. Pelo domínio sobre udana; se evita afundar nas águas, na lama, nos espinhos, etc., e [se aprende] a levitação. [Udana é composto pelo prefixo “ut”, que significa “para cima”, e representa as forças sutis que arrastam a matéria para o alto, contra as forças da gravidade].
41. Da conquista de Samána, vem o fogo. [Esse sopro vital é o responsável pela distribuição de forças para todo o corpo. Os antigos mestres descobriram que poderiam controlar o calor de seu corpo quando aprendiam a identificar e controlar Samana. Algumas técnicas foram desenvolvidas até mesmo para produzir labaredas no próprio corpo, sem produzir queimaduras].
Sutra III, 41 Em algumas versões este sutra aparece como: || Samánajayát prajvalanam || o que seria traduzido assim: “Da conquista de Samana, provem o tornar-se incandescente”.
Uma das provas “de fogo” para os yoguins do norte da Índia é a de cobrir suas costas com um manto de tecido encharcado das águas geladas de algum lago das montanhas. Entre as neves eternas dos Himalaias, eles precisam provar seu controle sobre o samana produzindo calor com seu próprio corpo e provocando a evaporação da umidade do tecido até que esteja totalmente seco. Se diz que alguns yoguins conseguem essa proeza em poucos segundos, durante os quais ficam envoltos por uma densa nuvem de evaporação.
42. Do Samyama sobre a relação entre a audição e o akáçam, vem a audição espiritual;
43. Do Samyama sobre a relação entre o corpo e o akáçam, e pela obtenção da leveza do algodão, vem a movimentação através do Espaço.
44. Daí, a destruição dos obstáculos ao brilho pessoal é [feita pela] exteriorização espontânea do aspecto incorpóreo das vittis [de citta].
Sutra III, 44 Para a expressão “brilho pessoal” veja o sutra II, 52. Os siddhis revelam facetas de citta que normalmente ficam ocultas pela natureza grosseira das forças materiais
45. Do samyama sobre o grosseiro, o manifestativo, o sutil, o correlativo e o funcional, vem o domínio sobre os elementos [bhúta].
46. Daí vem a capacidade de diminuição, etc., as perfeições do corpo, e também a não-obstrução à condição espiritual manifestada [dharma].
47. Beleza, charme, força, e a firmeza de um diamante são as perfeições do corpo.
48. Do samyama sobre a ação, natureza real, egoidade, correlação e propósito, vem o domínio sobre os órgãos sensoriais.
49. Daí vem a velocidade do pensamento, o conhecimento sem uso dos sentidos e o controle sobre pradhana.
50. [Como atributo] da completa [mátra] percepção da diferença entre sattva e puruõa há a maturação proveniente do conhecimento pleno [sarvajña] e a maturação proveniente da ascensão para uma existência plena [sarvabháva].
51. Do desapego até mesmo disso [dessa maturação], na destruição da semente do mal [doõa] surge o Kaivalyam. [veja também o sutra 56, abaixo].
52. No entanto, da inclinação ao indesejável vem uma falta de ação cheia de orgulho quando há a convocação de quem ocupa posição mais elevada.
53. Do Samyama sobre o momento e sua sucessão vem o conhecimento que nasce do discernimento.
54. Daí vem a capacidade de distinguir duas coisas similares mesmo quando parecem iguais em razão de ausência de diferenciação por espécie, características e posição.
55. O conhecimento oriundo do discernimento pertence às estrelas [táraka], alcança todos os objetos, alcança todas as condições e não depende do tempo.
56. Da coincidência da pureza tanto de sattva quanto de Purucha surge kaivalyam. (III, 49-56)
Assim se completa o terceiro capítulo, chamado “Vibhuti” no tratado sobre Yoga de Çri Patañjali, na doutrina do Samkhya.
Continua…