Disse o Senhor Bendito:
9.1 A ti, que não murmuras 1O adjetivo anasūya, traduzido aqui como “que não murmuras”, implica a qualidade de não se queixar nem guardar rancor. Em sua época, Krishna deve ter deparado com certa resistência, pois sua doutrina era heterodoxa do ponto de vista da ortodoxia bramânica (ver 9.11). Sobre “conhecimento-unitivo e conhecimento-distintivo”, ver a N.T. ao versículo 3.41. (N.T.), declararei [agora] este conhecimento secretíssimo, unitivo e distintivo (vijnāna), o qual, uma vez conhecido, libertar-te-á de [todo o karma] nefasto.
9.2 Esta é a ciência real 2O termo “real” (rāja) pode sugerir uma qualidade especial, mas também pode fazer referência ao fato de o ensinamento de Krishna ter sido transmitido nas cortes reais. O próprio Krishna era um rei (rāja) da Dinastia Lunar dentro da tribo dos Vrishnis., o segredo real, um purificador supremo, de entendimento evidente 3A expressão pratyakshāvagamanam é composta de prati + aksha (“diante dos olhos”) e avagamana (“entendimento”). Esse versículo indica que a ciência real do Yoga de Krishna é evidente por si., lícito (dharmya), facílimo de aplicar [e] imutável.
9.3 Os homens (purusha) que não têm fé nesta lei, ó Paramtapa 4Sobre o epíteto Paramtapa, ver a nota 5 em 2.3., retornam ao caminho do ciclo da morte 5O composto mrityu-samsāra, traduzido aqui por “ciclo da morte”, refere-se ao mundo empírico. Este é de natureza cíclica, visto que o karma conduz todos os seres numa espiral perpétua de nascimento, morte e renascimento. sem chegar a Mim.
9.4 Por Mim, não manifesto na forma, este universo inteiro foi desdobrado. Todos os seres habitam em Mim, mas Eu não subsisto neles. 6Ver 7.7.[
9.5 E, [no entanto,] os seres não habitam em Mim 7A expressão “habitam em Mim” é mat-sthāni (“Meus lugares”) no original e qualifica o plural bhūtani (“seres”).. Contempla o meu Yoga senhorial (aishvara): Eu Mesmo sustento [todos] os seres e, embora não habite nos seres, faço com que os seres sejam. 8A palavra bhāvana significa literalmente “fazendo com que sejam”, “causando o ser”.
«Onipresente, total, primordial, criador de todas as coisas, onividente, onisciente [é] Aquele que Vê todas as coisas, o Si Mesmo de todas as coisas, cuja face está voltada para toda parte.»
9.6 Assim como o poderoso vento, sempre e em toda parte, habita no espaço 9O termo técnico ākāsha denota o quinto elemento, o éter, traduzido aqui como “espaço”. No presente contexto, também poderia ser traduzido como “espaço do éter”., assim também deves compreender [que] todos os seres habitam em Mim.
«Assim, em verdade, movo-me incógnito em todos os seres, adotando a natureza (prakriti) dos seres; [encontro-Me, por assim dizer,] com [eles] e sem [eles].»
9.7 Todos os seres, ó filho-de-Kuntī 10Sobre o epíteto “filho-de-Kuntī” (Kaunteya), ver a nota 19 em 1.27., vêm para a Minha natureza ao fim (kshaya) de um éon 11Sobre kalpa (“éon”), ver a Parte Um, Capítulo 7, “O Conceito Hindu de Tempo Cíclico”. A palavra kshaya,; depois, emito-os novamente no início de um [novo] éon.
9.8 Sustentado por [Minha] própria natureza [inferior] 12A “natureza inferior” (apara-prakriti) de Deus refere-se à manifestação. Ver 7.4-5., emito e torno a emitir toda (kritsna) esta agregação impotente de seres pelo poder (vasha) da [Minha] natureza.
9.9 E estas ações [Minhas] não Me agrilhoam, ó Dhanamjaya 13Sobre o epíteto Dhanamjaya, ver a nota 7 em 1.15.. Desapegado, comporto-me 14O original sânscrito traz “estou sentado” (āsīnam). nessas ações como [alguém que esteja completamente] desinteressado.
9.10 Sob a Minha supervisão, [Minha] natureza [inferior] produz [coisas] móveis e imóveis. Por essa razão o universo gira, ó filho-de-Kuntī.
9.11 Os tolos zombam 15Ver a nota 1 em 9.1. de Mim no corpo humano [que] assumi, ignorantes do Meu estado superior de existência: o Grande Senhor 16Aqui, o composto maheshvara, derivado de mahā (“grande”) e īshvara (“senhor”), significa Purushottama, Deus como a Pessoa Suprema. de [todos os] seres.
9.12 Vãs são as esperanças, vãos os atos, vão o “conhecimento” 17Grafei “conhecimento” (jnāna) entre aspas porque os “desprovidos de discernimento” (vicetas) não podem ter nenhum conhecimento real. [dos] desprovidos de discernimento.
Assumem [eles] uma natureza (prakriti) enganadora, monstruosa e demoníaca.18Sargeant (1984) assinala, com razão, que o termo prakriti não é usado nesse versículo para denotar a natureza inferior de Deus (como ocorre no versículo seguinte), mas sim num sentido mais geral.
9.13 Mas as grandes almas, ó filho-de-Prithā 19Sobre o epíteto “filho-de-Prithā” (Pārtha), ver a nota 18 em 1.25., refugiando-se em [Minha] natureza divina, adoram-Me com a mente não desviada, conhecendo [-Me] como o princípio imutável de [todos os] seres.
9.14 Glorificando-Me sempre, empenhadas, firmes [em seus] votos, prostrando-se perpetuamente jungidas, elas Me adoram com devoção.
9.15 E outras Me adoram oferecendo[-Me] o sacrifício do conhecimento [e vendo-Me como a] unidade [na] diversidade, múltiplo, com a face voltada para todo lugar.
9.16 Eu sou o rito. Sou o sacrifício. Sou a oblação. Sou a erva.
Sou o mantra. Sou a manteiga clarificada. Sou o fogo. Sou a oferenda.
9.17 Sou o pai deste universo, a mãe, o esteio, o avô paterno, [tudo o que pode] ser-conhecido, o purificador, a sílaba e 20O Atharva-Veda é omitido aqui, provavelmente para manter a métrica do verso. Muitas vezes, somente as três principais coletâneas (samhitā) védicas são mencionadas. Ver, p. ex., 9.20. [os Vedas] Rig, Sāma e Yajur.
9.18 [Sou] o caminho, o sustentador, o Senhor, a testemunha (sākshin), o lar e o refúgio, o amigo, a origem, a dissolução e o estado intermediário, o receptáculo, a semente imutável [em todos os seres].
9.19 Queimo [como o Sol]. Retenho e derramo a chuva. Sou a imortalidade e a morte, o existente e o não existente, ó Arjuna.
9.20 Os bebedores de soma [que conhecem] a tripla ciência 21A expressão traividyā (“tripla ciência”) denota os três Vedas mencionados em 9.17., purgados do pecado e tendo-Me adorado com sacrifícios, desejam o caminho do céu (svar); atingindo o mundo meritório do senhor-dos-deuses 22O composto surendra (“senhor dos deuses”) refere-se a Indra, comandante do exército celestial., provam dos divinos prazeres dos deuses no paraíso (div). 23Esse versículo está na cadência trishtubh.
9.21 Tendo fruído desse vasto mundo celestial 24O “mundo celestial” (svarga-loka) é o domínio invisível habitado pelas divindades. e esgotado seu mérito, eles entram [de novo] no mundo dos mortais.
Assim, [os que] seguem a tríplice lei 25Todos os comentadores clássicos e tradutores modernos entendem o composto “tríplice lei” (trayī-dharma) como uma referência aos três principais Vedas., desejando [os objetos do] desejo, [nada] ganham [a não ser o mundo do] ir-e-vir. 26Esse versículo está na cadência trishtubh.
9.22 Para os homens que, pensando em Mim sem desviar-se (ananya), adoram[-Me] perpetuamente jungidos, proporciono a segurança no Yoga. 27A expressão yoga-kshema (“segurança no Yoga”) não se refere a uma comodidade comum, mais ao socorro espiritual.
9.23 Mesmo os devotos de outras divindades que [as] adoram com fé – eles, em verdade, adoram a Mim, ó filho-de-Kuntī, [embora] não [o façam] de acordo com os estatutos [estabelecidos].
9.24 Pois sou Eu que fruo de todos os sacrifícios. [Sou,] com efeito, o Senhor [supremo]. Mas eles não Me conhecem verdadeiramente. Por isso, caem [de novo nos estados condicionados da existência].
9.25 Os devotados aos deuses dirigem-se aos deuses; os devotados aos antepassados dirigem-se aos antepassados; dirigem-se aos seres-inferiores 28Aqui, a palavra bhūta denota os espíritos elementais. [os que] adoram os seres-inferiores, mas dirigem-se a Mim [todos] os que sacrificam a Mim. 29Mais uma vez, os modos de adoração dependem do caráter kármico inato (svabhāva, “ser-próprio”) dos adoradores. Ver 17.4.
9.26 Quem quer que Me ofereça uma oferenda por devoção, empenhando seu ser 30O composto prayatātmanah (“por meio de um eu empenhado”), no caso ablativo, traduzido aqui por “empenhando seu ser”, refere-se ao yogin profundamente dedicado ao processo de autotransformação espiritual. – [seja ela] uma folha, uma flor, um fruto [ou mesmo] água – Eu [a] como. 31Aqui, Krishna reitera a antiquíssima crença de que as divindades – e também o Deus dos deuses – “comem” as oferendas sacrificiais, ou seja, consomem o aspecto sutil das oblações. Também se poderia dizer que ele aceita a oferenda feita com devoção.
9.27 O que quer que faças, o que quer que comas, o que quer que sacrifiques, o que quer que dês, quaisquer que sejam as tuas asceses – faz [tudo] isso, ó filho-de-Kuntī, [como] uma oferenda a Mim.
9.28 Assim serás liberto dos grilhões da ação, [cujos] frutos são auspiciosos ou nefastos. Liberto, [com] o eu jungido pelo Yoga da renúncia, virás a Mim.
9.29 Sou o mesmo 32O termo “mesmo” (sama) refere-se à ideia de igualdade (samatva): ver a nota 18 em 2.15. em todos os seres. Não há ninguém que Me seja odioso ou querido. Mas aqueles que Me adoram com devoção, eles estão em Mim e Eu estou neles.
9.30 Mesmo [uma pessoa de] péssima conduta que Me adore, sem desviar sua devoção, deve em verdade ser considerada boa, pois sua resolução é correta. 33A resolução ou determinação (vyavasāya) é um aspecto intrínseco da faculdade-dasabedoria (buddhi).
9.31 Rapidamente seu si mesmo se torna [estabelecido na] lei (dharma) [e] alcança a paz perene, ó filho-de-Kuntī.
Compreende [que] nenhum devoto Meu se perderá!
9.32 Pois os que se refugiam em Mim, mesmo aqueles [nascidos] de úteros pecaminosos, [bem como] as mulheres, os comerciantes e até os servos – [todos] eles percorrem o caminho supremo, ó filho-de-Prithā. 34Sobre o “caminho supremo”, ver a nota 23 em 6.45.
9.33 Quanto [mais], então, os brâmanes meritórios e os devotos videntes reais? [Visto que] alcançaste [o nascimento] neste mundo transitório e sem alegria, adora-Me! 9.34 Tem a Mim em tua mente, ó devoto Meu. Sacrifica a Mim! A Mim presta reverência! Assim, atento a Mim, tendo jungido a ti mesmo, em verdade virás a Mim.
Notas de Rodapé
- 1O adjetivo anasūya, traduzido aqui como “que não murmuras”, implica a qualidade de não se queixar nem guardar rancor. Em sua época, Krishna deve ter deparado com certa resistência, pois sua doutrina era heterodoxa do ponto de vista da ortodoxia bramânica (ver 9.11). Sobre “conhecimento-unitivo e conhecimento-distintivo”, ver a N.T. ao versículo 3.41. (N.T.)
- 2O termo “real” (rāja) pode sugerir uma qualidade especial, mas também pode fazer referência ao fato de o ensinamento de Krishna ter sido transmitido nas cortes reais. O próprio Krishna era um rei (rāja) da Dinastia Lunar dentro da tribo dos Vrishnis.
- 3A expressão pratyakshāvagamanam é composta de prati + aksha (“diante dos olhos”) e avagamana (“entendimento”). Esse versículo indica que a ciência real do Yoga de Krishna é evidente por si.
- 4Sobre o epíteto Paramtapa, ver a nota 5 em 2.3.
- 5O composto mrityu-samsāra, traduzido aqui por “ciclo da morte”, refere-se ao mundo empírico. Este é de natureza cíclica, visto que o karma conduz todos os seres numa espiral perpétua de nascimento, morte e renascimento.
- 6Ver 7.7.
- 7A expressão “habitam em Mim” é mat-sthāni (“Meus lugares”) no original e qualifica o plural bhūtani (“seres”).
- 8A palavra bhāvana significa literalmente “fazendo com que sejam”, “causando o ser”.
- 9O termo técnico ākāsha denota o quinto elemento, o éter, traduzido aqui como “espaço”. No presente contexto, também poderia ser traduzido como “espaço do éter”.
- 10Sobre o epíteto “filho-de-Kuntī” (Kaunteya), ver a nota 19 em 1.27.
- 11Sobre kalpa (“éon”), ver a Parte Um, Capítulo 7, “O Conceito Hindu de Tempo Cíclico”. A palavra kshaya,
- 12A “natureza inferior” (apara-prakriti) de Deus refere-se à manifestação. Ver 7.4-5.
- 13Sobre o epíteto Dhanamjaya, ver a nota 7 em 1.15.
- 14O original sânscrito traz “estou sentado” (āsīnam).
- 15Ver a nota 1 em 9.1.
- 16Aqui, o composto maheshvara, derivado de mahā (“grande”) e īshvara (“senhor”), significa Purushottama, Deus como a Pessoa Suprema.
- 17Grafei “conhecimento” (jnāna) entre aspas porque os “desprovidos de discernimento” (vicetas) não podem ter nenhum conhecimento real.
- 18Sargeant (1984) assinala, com razão, que o termo prakriti não é usado nesse versículo para denotar a natureza inferior de Deus (como ocorre no versículo seguinte), mas sim num sentido mais geral.
- 19Sobre o epíteto “filho-de-Prithā” (Pārtha), ver a nota 18 em 1.25.
- 20O Atharva-Veda é omitido aqui, provavelmente para manter a métrica do verso. Muitas vezes, somente as três principais coletâneas (samhitā) védicas são mencionadas. Ver, p. ex., 9.20.
- 21A expressão traividyā (“tripla ciência”) denota os três Vedas mencionados em 9.17.
- 22O composto surendra (“senhor dos deuses”) refere-se a Indra, comandante do exército celestial.
- 23Esse versículo está na cadência trishtubh.
- 24O “mundo celestial” (svarga-loka) é o domínio invisível habitado pelas divindades.
- 25Todos os comentadores clássicos e tradutores modernos entendem o composto “tríplice lei” (trayī-dharma) como uma referência aos três principais Vedas.
- 26Esse versículo está na cadência trishtubh.
- 27A expressão yoga-kshema (“segurança no Yoga”) não se refere a uma comodidade comum, mais ao socorro espiritual.
- 28Aqui, a palavra bhūta denota os espíritos elementais.
- 29Mais uma vez, os modos de adoração dependem do caráter kármico inato (svabhāva, “ser-próprio”) dos adoradores. Ver 17.4.
- 30O composto prayatātmanah (“por meio de um eu empenhado”), no caso ablativo, traduzido aqui por “empenhando seu ser”, refere-se ao yogin profundamente dedicado ao processo de autotransformação espiritual.
- 31Aqui, Krishna reitera a antiquíssima crença de que as divindades – e também o Deus dos deuses – “comem” as oferendas sacrificiais, ou seja, consomem o aspecto sutil das oblações. Também se poderia dizer que ele aceita a oferenda feita com devoção.
- 32O termo “mesmo” (sama) refere-se à ideia de igualdade (samatva): ver a nota 18 em 2.15.
- 33A resolução ou determinação (vyavasāya) é um aspecto intrínseco da faculdade-dasabedoria (buddhi).
- 34Sobre o “caminho supremo”, ver a nota 23 em 6.45.