Arjuna disse:
8.1 O que é esse fundamento-universal (brahman)? O que é a base-do-eu? O que é a ação, ó Purushottama? 1O epíteto Purushottama, aplicado a Krishna, é composto de purusha (“pessoa”) e uttama (“supremo, inigualável”). É comumente traduzido como Pessoa Suprema ou Espírito Supremo. E o que se proclama [ser] a base-elemental? O que se diz [ser] a base-divina?
8.2 Quem está aqui neste corpo [como] a base-sacrificial, e de que modo, ó Madhusūdana? 2Sobre o epíteto Madhusūdana, ver a nota 4 em 1.14. E como serás conhecido, na hora da partida, pelos que controlaram a si mesmos? 3Parece que, em seu comentário sobre essa estrofe, Abhinavagupta não contou corretamente o número das perguntas de Arjuna: disse que são nove, quando na verdade são oito. Trata-se de um erro inadvertido.
Disse o Senhor Bendito:
8.3 O Imperecível é o supremo Brahman. O ser-próprio (svabhāva) é chamado de base-do-eu. A criatividade 4O termo visarga, que significa algo como “emissão”, é usado aqui num sentido mais filosófico. Traduzi-o por “criatividade”. Rāmānuja, um asceta inveterado, entende visarga como uma referência à procriação humana. Os comentários de Shankara sobre esse versículo são mais ou menos obscuros, mas Abhinavagupta apresenta a seguinte explicação: “A criatividade (visarga) é a gradual (kramena) [criação] dos seres.” Para ele, o Absoluto é intrinsecamente dotado de um poder ou uma potência (shakti) que dá origem à criação. que dá origem ao estado-de-existência dos seres é designada como ação.
8.4 A base-elemental é o estado-de-existência perecível, e a base-divina é o Espírito 5 O Espírito (purusha) é o Eu transcendente que testemunha todas as coisas. Esses eus são em número incontável e compõem a “coletividade” transcendental que, no versículo 7.5, é chamada de “elemento vital” (jīva-bhūta).. Eu sou a base-sacrificial aqui no corpo, ó mais excelente entre os que trajam um corpo.
8.5 E aquele que parte na última hora, tendo-se livrado do corpo 6A palavra kalevara (“corpo”; literalmente, “a melhor das formas”) denota o cadáver. recordando-se de Mim somente – dirige-se ele ao Meu estado-de-existência; quanto a isto não há dúvida.
8.6 Além disso, qualquer que seja o estado-de-existência recordado no final, [quando] ele abandona o corpo, a esse mesmo [estado] ele se dirige, ó filho-de-Kuntī 7Sobre o epíteto filho-de-Kuntī (Kaunteya), ver a nota 19 em 1.27., sempre obrigado a se tornar esse estado-de-existência 8Muitos têm entendido erroneamente esse versículo. Ele não afirma que o último pensamento no leito de morte determina a condição subsequente na vida futura, a qual, por sua vez, determina o próximo nascimento. Antes, é a totalidade do ser da pessoa que é responsável pelo estado subsequente. O último pensamento é apenas uma particularização da natureza essencial do ente.
8.7 Portanto recorda-te de Mim a todo momento e luta! [Com] a mente e a faculdade-da-sabedoria fixadas em Mim, sem dúvida virás a Mim.
8.8 [Com] a mente jungida pelo Yoga da prática, sem transviarse, [o yogin] se dirige ao supremo Espírito (purusha) 9A “suprema Pessoa divina” (paramam purusham divyam) não é outra senão Purushottama, ou seja, a Divindade conhecida como Krishna/Vishnu/Nārāyana/Vāsudeva. divino, contemplando[-O], ó filho-de-Prithā 10Sobre o epíteto filho-de-Prithā (Pārtha), ver a nota 18 em 1.25.
8.9 Aquele que se recorda do antigo Bardo, Governador [de todas as coisas], menor que um átomo, Esteio de todas as coisas, inconcebível em sua forma, da cor do Sol, além da escuridão –
8.10 esse [yogin], na hora da partida, com a mente imóvel, jungido pela devoção e pelo poder do Yoga, dirigindo adequadamente a força vital para o ponto entre as sobrancelhas, dirige-se a esse supremo Espírito divino11Os versículos 9 a 11 estão na cadência trishtubh. O último verso da estrofe 10 tem uma sílaba a mais.
8.11 Aquele que os conhecedores do Veda mencionam com o Imperecível (akshara), no qual os ascetas penetram livres de paixão e, por desejá-lo, praticam a castidade – esse estado12A palavra pada significa literalmente “passo” e, logo, também pode ser traduzida por “caminho”. vou declarar-te resumidamente.
8.12 Controlando todos os portões 13Os “portões” (dvāra) do corpo são normalmente contados em número de nove: olhos, ouvidos, narinas, boca, órgão genital e ânus. [do corpo], contendo a mente no coração, situando a própria força vital dentro da cabeça e estabelecendo-se na concentração (dhāranā) do Yoga,
8.13 recitando, o monossílabo 14A palavra sânscrita eka-akshara, traduzida aqui como “monossílabo” (ou seja, também pode significar “o único Imperecível”. [que significa] Brahman, recordando-se de Mim – aquele que parte [nesse estado], abandonando o corpo, trilha o caminho supremo15Sobre o “caminho supremo”, ver a nota 23 em 6.45.
8.14 Por aquele [cuja] mente jamais se desvia, [por] quem quer que se recorde de Mim constantemente, pelo yogin continuamente jungido – [por esses] sou facilmente alcançado, ó filho-de-Prithā.
8.15 Vindo a mim, [essas] grandes almas, tendo-se dirigido à consumação suprema, não sofrem o renascimento [nesta] impermanente morada de sofrimento.
8.16 [Todos] os mundos, até o reino de Brahma 16Brahma, também chamado Prajāpati (“Senhor das Criaturas”), é o primogênito da criação., desdobramse repetidamente [a partir do fundamento-universal], ó Arjuna. [Para os que] vieram a Mim, porém, não há renascimento, ó filho-de-Kuntī.
8.17 Os que sabem que um Dia de Brahma dura mil eras (yuga) 17Sobre os yugas e outros períodos de tempo, ver a Parte Um, Capítulo 7, “O Conceito Hindu de Tempo Cíclico”. [divinas] e uma Noite termina ao cabo de mil eras – esses são os conhecedores [do sentido cósmico] do dia e da noite.
8.18 Do [fundamento-universal] não manifesto, todas as [coisas] manifestas originam-se com o nascer de um Dia [cósmico]; com o cair de uma Noite [cósmica] elas se dissolvem, com efeito, naquele [estado] que se designa como não manifesto.
8.19 Essa mesma agregação de seres, reiteradamente vindo-aser, dissolve-se involuntariamente com o cair da Noite [cósmica], ó filho-de-Prithā. Com o nascer do Dia [cósmico], ela se origina [de novo].
8.20 Porém, para além disso, [há] outro estado de ser; [além do] não manifesto [há outro] Não Manifesto, a eterna [Pessoa Suprema], que não é destruída quando da destruição de todos os seres.
8.21 O Não Manifesto é chamado de Imperecível (akshara). Eles O chamam de o caminho supremo, do qual, uma vez [tendo-o] alcançado, não retornam [ao mundo perecível] – essa é a Minha morada suprema.
8.22 Esse Espírito Supremo, ó filho-de-Prithā, é alcançado pela devoção a nenhum outro [senão a Mim], em quem todos os seres repousam [e] por quem este [universo] inteiro é estendido [como uma teia de aranha].
8.23 Os tempos em que os yogins [que] partiram 18Os “que partiram” ou “partidos” (prayāta) significa os “que deixaram ou corpo”, ou seja, os que morreram. dirigem-se [respectivamente] ao [caminho] do qual não há retorno e ao do qual há retorno – esses tempos vou declarar [-te agora], ó Bharatarshabha 19Sobre o epíteto Bharatarshabha, ver a nota 48 em 3.41.
8.24 O fogo, a luminosidade, o dia, a [quinzena] clara, os seis meses do trajeto setentrional [do Sol] – partindo nesses [tempos], os viventes [que] conhecem a Brahman dirigem-se a Brahman. 20Nos Upanishads, este “caminho luminoso” também é chamado de “caminho dos deuses” (deva-yāna), pois conduz aos domínios celestiais onde residem as divindades.
8.25 A fumaça, a noite, a [quinzena] escura, os seis meses do trajeto meridional [do Sol] – nestes [tempos] o yogin alcança a luminosidade lunar [e em seguida] retorna [ao mundo dos fenômenos]. 21Esse “caminho obscuro” é o “caminho dos antepassados” (pitri-yāna) e conduz ao renascimento.
8.26 Em verdade, esses dois caminhos, o claro e o escuro, são considerados eternos no universo. Por meio de um ele se dirige ao [estado de onde] não [há]retorno; por meio do outro, retorna novamente.
8.27 Conhecendo esses [dois] caminhos, ó filho-de-Prithā, yogin algum será iludido. Portanto sê jungido no Yoga a todo momento, ó Arjuna! 8.28 Seja qual for o fruto meritório atribuído ao [estudo dos] Vedas, aos sacrifícios, às asceses ou às dádivas – o yogin, ciente dessa [doutrina], transcende tudo isso e alcança o estado supremo e primordial. 22Esse versículo está na cadência trishtubh.
Notas de Rodapé
- 1O epíteto Purushottama, aplicado a Krishna, é composto de purusha (“pessoa”) e uttama (“supremo, inigualável”). É comumente traduzido como Pessoa Suprema ou Espírito Supremo.
- 2Sobre o epíteto Madhusūdana, ver a nota 4 em 1.14.
- 3Parece que, em seu comentário sobre essa estrofe, Abhinavagupta não contou corretamente o número das perguntas de Arjuna: disse que são nove, quando na verdade são oito. Trata-se de um erro inadvertido.
- 4O termo visarga, que significa algo como “emissão”, é usado aqui num sentido mais filosófico. Traduzi-o por “criatividade”. Rāmānuja, um asceta inveterado, entende visarga como uma referência à procriação humana. Os comentários de Shankara sobre esse versículo são mais ou menos obscuros, mas Abhinavagupta apresenta a seguinte explicação: “A criatividade (visarga) é a gradual (kramena) [criação] dos seres.” Para ele, o Absoluto é intrinsecamente dotado de um poder ou uma potência (shakti) que dá origem à criação.
- 5O Espírito (purusha) é o Eu transcendente que testemunha todas as coisas. Esses eus são em número incontável e compõem a “coletividade” transcendental que, no versículo 7.5, é chamada de “elemento vital” (jīva-bhūta).
- 6A palavra kalevara (“corpo”; literalmente, “a melhor das formas”) denota o cadáver.
- 7Sobre o epíteto filho-de-Kuntī (Kaunteya), ver a nota 19 em 1.27.
- 8Muitos têm entendido erroneamente esse versículo. Ele não afirma que o último pensamento no leito de morte determina a condição subsequente na vida futura, a qual, por sua vez, determina o próximo nascimento. Antes, é a totalidade do ser da pessoa que é responsável pelo estado subsequente. O último pensamento é apenas uma particularização da natureza essencial do ente.
- 9A “suprema Pessoa divina” (paramam purusham divyam) não é outra senão Purushottama, ou seja, a Divindade conhecida como Krishna/Vishnu/Nārāyana/Vāsudeva.
- 10Sobre o epíteto filho-de-Prithā (Pārtha), ver a nota 18 em 1.25.
- 11Os versículos 9 a 11 estão na cadência trishtubh. O último verso da estrofe 10 tem uma sílaba a mais.
- 12A palavra pada significa literalmente “passo” e, logo, também pode ser traduzida por “caminho”.
- 13Os “portões” (dvāra) do corpo são normalmente contados em número de nove: olhos, ouvidos, narinas, boca, órgão genital e ânus.
- 14A palavra sânscrita eka-akshara, traduzida aqui como “monossílabo” (ou seja, também pode significar “o único Imperecível”.
- 15Sobre o “caminho supremo”, ver a nota 23 em 6.45.
- 16Brahma, também chamado Prajāpati (“Senhor das Criaturas”), é o primogênito da criação.
- 17Sobre os yugas e outros períodos de tempo, ver a Parte Um, Capítulo 7, “O Conceito Hindu de Tempo Cíclico”.
- 18Os “que partiram” ou “partidos” (prayāta) significa os “que deixaram ou corpo”, ou seja, os que morreram.
- 19Sobre o epíteto Bharatarshabha, ver a nota 48 em 3.41.
- 20Nos Upanishads, este “caminho luminoso” também é chamado de “caminho dos deuses” (deva-yāna), pois conduz aos domínios celestiais onde residem as divindades.
- 21Esse “caminho obscuro” é o “caminho dos antepassados” (pitri-yāna) e conduz ao renascimento.
- 22Esse versículo está na cadência trishtubh.