Arjuna disse:
5.1 Louvas a renúncia (samnyāsa) às ações, ó Krishna, e depois [louvas] o Yoga. Qual dos dois é o melhor? Diga-me com certeza.
Disse o Senhor Bendito:
5.2 A renúncia e o Karma-Yoga – ambos conduzem à suprema boa-fortuna 1A suprema boa fortuna é a libertação, o sumo bem da existência.. Mas, dos dois, o Karma-Yoga é melhor que a renúncia à ação.
5.3 Aquele que não odeia nem deseja [nada] deve ser conhecido como um renunciador perpétuo. Pois, sem [a influência dos] pares-de-opostos, ele facilmente se liberta da escravidão, ó [Arjuna] dos braços fortes.
5.4 “O Sāmkhya 2Aqui, o Sāmkhya não significa o famoso sistema clássico formalizado por Īshvara Krishna (c. 400-450 d.C.), mas simplesmente a vida de renúncia e contemplação na medida em que aparentemente se opõe ao Yoga, que significa nesse contexto a vida ativamente dedicada à ação desinteressada.e o Yoga são diferentes”, declaram os simples, mas não os eruditos. Recorrendo adequadamente a um [método] apenas, [o praticante] encontra o fruto de ambos.
5.5 O estado atingido pelo[s seguidores do] Sāmkhya também é atingido pelo[s seguidores do] Yoga. Aquele que vê o Sāmkhya e o Yoga como uma só coisa vê [corretamente].
5.6 Mas a renúncia, ó [Arjuna] dos braços fortes, é difícil de atingir sem o Yoga. O sábio jungido no Yoga se aproxima em pouco tempo do fundamento-universal (brahman).
5.7 [Aquele que está] jungido no Yoga, [que] purificou a si mesmo, [que] sujeitou a si mesmo, [que] subjugou os sentidos [e cujo] si mesmo se tornou o Si Mesmo de todos os seres – embora aja, não é maculado.
5.8 “Nada faço” – assim reflete o jungido, o conhecedor da Realidade, [enquanto] vê, ouve, toca, cheira, come, anda, dorme, respira,
5.9 fala, excreta, agarra [objetos com as mãos], abre e fecha [os olhos] e sustenta: “Os sentidos repousam nos objetos dos sentidos.”
5.10 Aquele que age atribuindo [todas] as ações ao fundamento universal, e tendo abandonado o apego, não é maculado pelo pecado, como uma folha de lótus [não é maculada] pela água [sobre a qual repousa].
5.11 Tendo abandonado [todo] apego, os yogins executam ações de autopurificação com o corpo, a mente, a faculdade-dasabedoria e mesmo somente com as faculdades [de cognição e ação].
5.12 O jungido, tendo abandonado o fruto da ação, alcança a paz derradeira. O não jungido, agindo pelo desejo e apegado ao fruto [da ação], é agrilhoado [pelo karma].
5.13 Renunciando a todas as ações com a mente, sentada feliz [e] soberana dentro da cidade de nove portões [ou seja, o corpo] – a essência-incorporada (dehin) em verdade nem age nem faz agir.
5.14 O senhor [do corpo] não cria nem a atividade nem as ações do mundo, nem [tampouco] a união [entre] a ação e [seu] fruto. É o ser-próprio [do fundamento-universal que] estimula-à-ação.
5.15 O onipenetrante [senhor do corpo] não toma sobre si os [atos] bons ou pecaminosos de ninguém. O conhecimento é recoberto pela ignorância, [e] assim as criaturas são iludidas.
5.16 Mas para aqueles cuja ignorância de Si [foi] destruída pelo conhecimento, seu conhecimento, como o Sol, ilumina esse Supremo.
5.17 [Aqueles que têm suas] faculdades de sabedoria [centradas] n’Isso, [seu] si mesmo [imerso] n’Isso, [que têm] Isso por base, Isso por objetivo supremo – eles vão e nunca mais [sofrem o] renascimento, [pois todas as suas] máculas são lançadas fora pelo conhecimento.
«Embora recordando-se disso reiteradamente e entrandoem-contato com [o fruto de suas] próprias ações, embora apegados, eles [na realidade] não aderem, como os raios de Sol numa poça d’água.»
5.18 Os eruditos veem o mesmo 3Ver a nota 20 em 2.15. num brâmane dotado de compreensão e boas maneiras, numa vaca, num elefante, até num cão ou num “cozedor de cães”.4O shva-pāka (“cozedor de cães”) é um dos tipos mais baixos de pária descritos no Mānava-Dharma-Shāstra (10.51-56), tratado jurídico atribuído ao legislador Manu.
5.19 Mesmo aqui [na Terra], aqueles cuja mente está estabelecida na igualdade venceram a criação, pois o fundamento-universal é isento de defeitos [e sempre] igual.
Por isso, estão estabelecidos no fundamento-universal.
5.20 [O yogin] não deve regozijar-se ao obter [algo] querido nem deve agitar-se ao obter [algo] não querido [ou seja, algo desagradável]. Com a faculdade-da-sabedoria estabilizada, o conhecedor de Brahman, livre de [toda] confusão, [encontra-se] estabelecido no fundamento-universal.
5.21 [Aquele cujo] si mesmo não se apega aos contatos externos encontra a alegria em Si Mesmo; e [aquele cujo] si mesmo é jungido no Yoga ao fundamento-universal 5A expressão brahma-yoga-yukta-ātma também pode ser traduzida assim: “o si mesmo jungido no Yoga de Brahman”. alcança a alegria imutável.
5.22 Pois as fruições nascidas do contato são, em verdade, úteros de dor, tendo um princípio e um fim. O sábio não se deleita nelas, ó filho-de-Kuntī.6Sobre o epíteto “filho-de-Kuntī” (Kaunteya), ver a nota 19 em 1.27.
5.23 Em verdade, o [homem] capaz de suportar os embates nascidos do desejo e da ira aqui [na Terra], antes de se libertar do corpo – é ele um jungido, um homem feliz.
5.24 É de fato um yogin aquele que tem alegria interior, regozijo interior e, logo, luz interior. Tendo se tornado o fundamento universal7Zaehner (1966/1969, pp. 214-15) especula, erroneamente, que o termo brahmabhūta, traduzido aqui como “tendo se tornado o fundamento-universal”, tem o mesmo sentido que na literatura budista. O conceito budista de “extinção” (nirvāna) deve ser entendido no contexto das doutrinas exclusivamente budistas da originação dependente (pratītya–samutpada) e da vacuidade (shūnyatā)., ele se aproxima da extinção no fundamento universal (brahma-nirvāna).
5.25 Os videntes [cujas] máculas esgotaram-se, [cujas] dualidades foram destruídas, [que são] controlados em si mesmos [e] se deliciam com o bem de todos os seres – alcançam eles a extinção no fundamento-universal.
5.26 Para os ascetas que conhecem a Si Mesmos, livres do desejo e da ira, [com a] mente controlada, a extinção no fundamento-universal está próxima.
5.27 Fechando-se a [todos os] contatos externos [e fixando] o olhar entre as sobrancelhas, fazendo a inspiração e a expiração fluírem homogeneamente no nariz,
5.28 o sábio [de] sentidos, mente e faculdade-da-sabedoria controlados, [que tem] a libertação como objetivo supremo e [encontra-se] permanentemente isento de anseio, medo [e] ira – é ele verdadeiramente liberto.
5.29 Conhecendo a Mim como aquele que se alimenta da ascese sacrificial, o grande Senhor de todos os mundos, o bondoso [amigo] de todos os seres, ele alcança a paz.
Notas de Rodapé
- 1A suprema boa fortuna é a libertação, o sumo bem da existência.
- 2Aqui, o Sāmkhya não significa o famoso sistema clássico formalizado por Īshvara Krishna (c. 400-450 d.C.), mas simplesmente a vida de renúncia e contemplação na medida em que aparentemente se opõe ao Yoga, que significa nesse contexto a vida ativamente dedicada à ação desinteressada.
- 3Ver a nota 20 em 2.15.
- 4O shva-pāka (“cozedor de cães”) é um dos tipos mais baixos de pária descritos no Mānava-Dharma-Shāstra (10.51-56), tratado jurídico atribuído ao legislador Manu.
- 5A expressão brahma-yoga-yukta-ātma também pode ser traduzida assim: “o si mesmo jungido no Yoga de Brahman”.
- 6Sobre o epíteto “filho-de-Kuntī” (Kaunteya), ver a nota 19 em 1.27.
- 7Zaehner (1966/1969, pp. 214-15) especula, erroneamente, que o termo brahmabhūta, traduzido aqui como “tendo se tornado o fundamento-universal”, tem o mesmo sentido que na literatura budista. O conceito budista de “extinção” (nirvāna) deve ser entendido no contexto das doutrinas exclusivamente budistas da originação dependente (pratītya–samutpada) e da vacuidade (shūnyatā).