Capítulo 17 O Yoga da Distinção Entre Os Três Tipos de Fé.

Arjuna disse:

17.1 [Aqueles] que sacrificam descartando os estatutos das escrituras [e, no entanto, são] dotados de fé – qual é o seu modo-de-vida 1A palavra nishthā também ocorre nas estrofes 3.3 e 18.50 (ver a nota 30 nesta última)., ó Krishna? Sattva, rajas ou tamas?

Disse o Senhor Bendito:

17.2 É tríplice a fé das essências-incorporadas (dehin), nascida do [seu] ser-próprio: [tem ela] a natureza de sattva, rajas ou tamas. Ouve [mais sobre] isso.

17.3 A fé de todo [ente] corresponde à sua essência 2O texto sânscrito diz sattva, traduzido aqui como “essência”. Segundo Abrinavagupta, esse termo é sinônimo de svabhāva., ó descendente-de-Bharata. Essa pessoa (purusha) [mortal] tem a forma da [sua] fé. Como quer que seja a sua fé, assim, em verdade, é a pessoa.

17.4 Os que têm a natureza de sattva adoram os deuses. Os que têm a natureza de rajas [adoram] os Yakshas 3Sobre os Yakshas, ver a nota 22 em 10.23. e os Rākshasas 4Sobre os Rākshashas, ver a nota 23 em 10.23.. E os outros, as pessoas que têm a natureza de tamas, adoram as almas penadas e a multidão dos elementais.

17.5 As pessoas que suportam 5Os pretas, termo traduzido aqui por “almas penadas”, são o que poderíamos chamar de “fantasmas”. Hill (1928/1966) apresenta esta nota esclarecedora: “Supõe-se, em geral, que o preta seja o espírito de uma pessoa morta cujos ritos funerários não foram executados ou terminados da forma prescrita, e que, consequentemente, não pode se transformar num pitri [espírito de um antepassado]; diz-se que o preta entra nos corpos dos mortos e assombra os cemitérios e outros lugares de mau agouro.” [ 525 ]. A palavra tapyante, aqui traduzida por “suportam”, vem da raiz tap, que significa “queimar”. horríveis asceses não ordenadas pelas escrituras, imbuídas de ostentação e do sentido-do-ego, impelidas pela força do desejo e [da] paixão,

17.6 oprimindo loucamente o agregado dos elementos que habitam no corpo e, [assim, oprimindo] também a Mim que habito dentro do corpo – estejas ciente de que estas [têm] intenção demoníaca.

17.7 Até o alimento, caro a todos, é tríplice. Assim também o são os sacrifícios, a ascese e a caridade. Ouve isto [agora] a respeito das suas distinções.

17.8 Os alimentos [que] promovem a vida, a lucidez, a força, a saúde, a alegria e o deleitamento, [que são] saborosos, rico sem gordura 6O termo snigdha, traduzido aqui por “ricos-em-gordura”, também já foi traduzido por “ricos” (Edgerton 1944), “macios” (Radhakrishnan 1948), “gordurosos” (Hill 1928/1966), “gordos” (Bhaktivedanta Swami 1983) e “lisos” (Sargeant 1984). Nataraja Guru adota “ricos” e faz a seguinte observação adicional: “Alguns cometeram o erro de traduzir [o  plural] snigdhāh (ricos) por ‘insípido’ ou ‘sem gosto’. Essa atribuição de sentido é sinal somente de uma certa moda dietética.”, firmes e [alegram o] coração – [estes são] caros aos que têm a natureza de sattva.

17.9 Os alimentos picantes, azedos, salgados, quentes, pungentes, adstringentes e causticantes – [estes são] desejados pelos que têm a natureza de rajas. Causam dor, sofrimento e doenças.

17.10 E [os alimentos] estragados, sem sabor, pútridos, velhos, residuais e impuros – são alimentos agradáveis para o [indivíduo] que tem a natureza de tamas. 7Sargeant (1984) faz o seguinte comentário, bastante parcial: “Não é difícil detectar nesse versículo e nos dois anteriores uma influência da casta brâmane, insistindo em sua superioridade de maneira quase cômica.” Está muito claro que os versículos em questão não procuram provar a superioridade dos brâmanes, mas somente promover uma dieta equilibrada.

17.11 O sacrifício oferecido de acordo com os estatutos [das escrituras] por [aqueles que] não desejam [seu] fruto [e que], concentrando a mente, [pensam somente] “o sacrifício deve ser oferecido” – tal [sacrifício] tem a natureza de sattva.

17.12 Mas o sacrifício oferecido com a expectativa do fruto [e] também com a finalidade de ostentação – estejas ciente, ó Bharatashreshtha 8Bharatashreshtha é um epíteto de Arjuna e significa “Melhor dos Bharatas”., de que este tem a natureza de rajas.

17.13 O sacrifício [oferecido] sem os estatutos [das escrituras], sem a oferenda de alimento, sem mantras, sem remuneração [ao sacerdote], sem fé – declara-se ter [este] a natureza de tamas.

17.14 A adoração aos deuses, aos nascidos duas vezes 9Sobre o termo dvija (“nascido duas vezes”), ver a nota 2 em 1.7., aos mestres [e] aos sábios, [bem como] a pureza, a retidão, a castidade e a não violência – [a isso] se chama ascese do corpo.

17.15 As palavras que não causam inquietação, verazes, agradáveis e benéficas, bem como a prática do estudo de si (svādhyāya) – [a isso] se chama ascese da fala. 10O texto sânscrito traz vān-mayan tapah, que significa literalmente “ascese feita de fala” e também poderia ser traduzido como “ascese vocal”.

17.16 A serenidade da mente, a benignidade, o silêncio, o autocontrole e a purificação dos estados [interiores] – a isso se chama ascese da mente.

17.17 Essa tríplice ascese, suportada com suprema fé por homens jungidos e que não anseiam pelo fruto [de seus atos] – declara-se ter [ela] a natureza de sattva.

17.18 A ascese realizada com a finalidade de [se obter] o beneplácito, a honra e a reverência [das pessoas], por ostentação – declara-se ter ela, aqui [neste mundo], a natureza de rajas, [sendo] leviana [e] instável.

17.19 A ascese realizada com a enganosa noção (graha) de torturar a si mesmo ou com a finalidade de arruinar outra [pessoa] – tal é descrita [como] tendo a natureza de tamas.

17.20 O presente dado [pelo simples fato de que os presentes] devem ser dados, a [uma pessoa de quem não se pode esperar] nenhum favor, no lugar e no tempo [corretos] e a uma pessoa-digna – sustenta-se ter este a natureza de sattva.

17.21 Mas o presente [dado] com a finalidade de [se obter] um favor ou que, mais uma vez, visa ao fruto [na outra vida], e é dado com relutância – sustenta-se ter tal presente a natureza de rajas.

17.22 O presente que não é dado no lugar e no tempo [corretos] e [é dado] a pessoas-indignas, com desrespeito ou desprezo – proclama-se que tal [presente] tem a natureza de tamas. 11O sentido literal das palavras sagradas é “, Isto [é] real”. “Isto” ( o Si Mesmo transcendente, o Espírito.está explicada em 17.26. – sustenta-se ser esta a tríplice designação

17.23 de Brahman. Por ela, em tempos antigos, foram estatuídos os brāhmanas, os Vedas e os sacrifícios.

17.24 Portanto, pronunciando o, os expositores de Brahman sempre executam os ritos de sacrifício, caridade e ascese declarados por prescrição [nas sagradas escrituras].

17.25 – [os que] almejam a libertação executam vários ritos de sacrifício [e] ascese, bem como ritos de caridade, sem ter por objetivo o fruto [de seus atos].

17.26 – esta [palavra] é empregada no [sentido de] “real” e no [sentido de] “bom”. A palavra também é empregada em [referência às] ações dignas de louvor, ó filho-de-Prithā. 12Sobre o epíteto filho-de-Prithā (Pārtha), ver a nota 18 em 1.25.

17.27 SAT é chamada a perseverança nos sacrifícios, na ascese e na caridade. Além disso, as ações [executadas] com essa finalidade são denominadas.

17.28 Qualquer oblação oferecida, [qualquer] ascese suportada, [qualquer coisa que] se faça sem fé – a isso se chama asat, ó filho-de-Prithā, e de nada [vale] para nós, [nem] aqui [nem] na outra vida.

Notas de Rodapé

  • 1
    A palavra nishthā também ocorre nas estrofes 3.3 e 18.50 (ver a nota 30 nesta última).
  • 2
    O texto sânscrito diz sattva, traduzido aqui como “essência”. Segundo Abrinavagupta, esse termo é sinônimo de svabhāva.
  • 3
    Sobre os Yakshas, ver a nota 22 em 10.23.
  • 4
    Sobre os Rākshashas, ver a nota 23 em 10.23.
  • 5
    Os pretas, termo traduzido aqui por “almas penadas”, são o que poderíamos chamar de “fantasmas”. Hill (1928/1966) apresenta esta nota esclarecedora: “Supõe-se, em geral, que o preta seja o espírito de uma pessoa morta cujos ritos funerários não foram executados ou terminados da forma prescrita, e que, consequentemente, não pode se transformar num pitri [espírito de um antepassado]; diz-se que o preta entra nos corpos dos mortos e assombra os cemitérios e outros lugares de mau agouro.” [ 525 ]. A palavra tapyante, aqui traduzida por “suportam”, vem da raiz tap, que significa “queimar”.
  • 6
    O termo snigdha, traduzido aqui por “ricos-em-gordura”, também já foi traduzido por “ricos” (Edgerton 1944), “macios” (Radhakrishnan 1948), “gordurosos” (Hill 1928/1966), “gordos” (Bhaktivedanta Swami 1983) e “lisos” (Sargeant 1984). Nataraja Guru adota “ricos” e faz a seguinte observação adicional: “Alguns cometeram o erro de traduzir [o  plural] snigdhāh (ricos) por ‘insípido’ ou ‘sem gosto’. Essa atribuição de sentido é sinal somente de uma certa moda dietética.”
  • 7
    Sargeant (1984) faz o seguinte comentário, bastante parcial: “Não é difícil detectar nesse versículo e nos dois anteriores uma influência da casta brâmane, insistindo em sua superioridade de maneira quase cômica.” Está muito claro que os versículos em questão não procuram provar a superioridade dos brâmanes, mas somente promover uma dieta equilibrada.
  • 8
    Bharatashreshtha é um epíteto de Arjuna e significa “Melhor dos Bharatas”.
  • 9
    Sobre o termo dvija (“nascido duas vezes”), ver a nota 2 em 1.7.
  • 10
    O texto sânscrito traz vān-mayan tapah, que significa literalmente “ascese feita de fala” e também poderia ser traduzido como “ascese vocal”.
  • 11
    O sentido literal das palavras sagradas é “, Isto [é] real”. “Isto” ( o Si Mesmo transcendente, o Espírito.está explicada em 17.26.
  • 12
    Sobre o epíteto filho-de-Prithā (Pārtha), ver a nota 18 em 1.25.
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