Disse o Senhor Bendito:
15.1 Dizem eles que a imutável [árvore] ashvattha 1 A árvore ashvattha, já mencionada em 10.26 (ver a nota 31 nesse versículo), é um antigo símbolo do samsāra, do mundo das coisas mutáveis. Ver Rig-Veda 1.2.4.7 e KathaUpanishad 6.1. Cf. Chāndogya-Upanishad 6.11. Hill (1928/1966) faz interessantes comentários sobre essa árvore: “Ao contrário do baniano, seu primo, ela não lança pequenas raízes aéreas para arraigar-se de novo na terra. Se assim é, por que se diz que ela tem as raízes em cima e os ramos embaixo? [Ver Gītā 15.1.] A formação da árvore é peculiar, pois suas raízes (que frequentemente se encontram, em parte, acima do chão) não convergem todas, como em outras árvores, para um único tronco central, mas em grande medida conservam sua forma separada e sobem num aglomerado, soltando cada uma seus ramos. Existe continuidade, portanto, entre cada raiz e seu próprio ramo; sendo inseparáveis as raízes e os ramos, é possível afirmar que o ramo desce à terra e que a raiz sobe ao alto.” [tem] as raízes em cima e os ramos embaixo, e que suas folhas são os hinos [védicos] – aquele que sabe disso é um conhecedor dos Vedas.
15.2 Seus ramos, espraiando-se embaixo e em cima, são nutridos pelas qualidades-primárias; os objetos [são] os galhos menores; e embaixo, no mundo humano, proliferam as raízes, ligadas à ação. 2A expressão “ligadas à ação” (karma-anubandhīni) refere-se ao fato que a raiz do samsāra são as interconexões kármicas. As estrofes 15.2-5 estão na cadência trishtubh.
15.3 Sua forma não é percebida dessa maneira aqui [no mundo], nem [tampouco seu] fim, nem [seu] princípio, nem [seu] alicerce. Tendo-se derrubado essa [árvore] ashvattha, de raízes bem-desenvolvidas, com a firme arma do desapego 3O primeiro verso dessa estrofe tem uma sílaba a mais.,
15.4 deve-se ir no encalço daquele estado do qual [os que o] alcançaram não retornam. E, em verdade, refugio-Me naquele Espírito primordial de onde promanou a antiga criatividade.
15.5 Sem orgulho e [sem] ilusão, [tendo] vencido [toda] mácula de apego, sempre [fixados na] base-do-eu, [tendo] serenado [todos os] desejos [e encontrando-se] livres dos pares-de opostos conhecidos como prazer e dor – eles vão, iniludíveis, àquele estado imutável.
15.6 O Sol não ilumina esse [estado], nem [tampouco] a Lua 4O termo com que a Lua é designada aqui é “a que tem a marca do coelho” (shashānka). Onde os ocidentais veem “São Jorge e o Dragão”, os indianos (e outros povos asiáticos) veem um coelho., nem o fogo. Ele é a Minha morada suprema, da qual, uma vez tendo-a alcançado, eles não retornam.
15.7 Somente um fragmento de Mim Mesmo, o perene elemento vital 5A expressão jīva-bhūta, traduzida aqui por “elemento vital”, designa o Eu imanente no mundo manifesto. Trata-se de um aspecto divino mais elevado que o fundamentouniversal (Brahman). Ver nota 3 em 7.5. no mundo dos viventes, atrai [para si um conjunto particular de] sentidos, [dos quais] a mente [é] o sexto 6Às vezes, a mente inferior (manas) é contada não como o sexto, mas como o 11º sentido ou faculdade. Isso depende de as cinco faculdades de ação (karmendriya) serem ou não incluídas na enumeração. Ver nota 13 em 3.6., habitando no Cosmo (prakriti).
15.8 Qualquer corpo que o senhor 7Aqui, o termo “senhor” (īshvara) parece referir-se ao Eu incorporado, não à Pessoa Suprema (purushottama), ou Deus. tome para si, e qualquer [corpo] do qual ascenda [novamente] – tendo-se apoderado desses [sentidos em conjunto com a mente], ele se move [com eles] da mesma maneira que o vento [leva] odores do [seu] local-de-origem [para outras partes].
15.9 Empregando a audição, a visão, o tato, o paladar e o olfato, bem como a mente, este [Eu incorporado] frui dos objetos [dos sentidos].
15.10 Associado às qualidades-primárias (guna), [o Eu incorporado] ascende [do corpo] ou [nele] permanece, ou frui [dos objetos] – os iludidos não veem [isso, mas] os dotados do olho do conhecimento 8A expressão jnāna-cakshushah (“dotados do olho do conhecimento”) caracteriza os possuidores da sabedoria do Yoga. A expressão tem o mesmo sentido de divya-cakshus (o “olho divino” de 11.8). [o] veem.
15.11 E os yogins empenhados contemplam-no [o senhor do corpo] estabelecido em Si Mesmos, mas os néscios imperfeitos em si próprios, embora se empenhem, não o veem.
15.12 O brilho que entrou no Sol e ilumina todo o universo, que está na Lua e que está no fogo – estejas ciente de que esse brilho é Meu.
15.13 E, penetrando a terra 9Aqui o texto usa o termo raro gā para se referir à Terra. Shankara equipara-o a prithivī., sustento [todos] os seres por meio de [Minha] vitalidade; tornando-Me o soma 10Seguindo Shankara, entendo que a palavra soma não se refere à planta de mesmo nome, que desempenhava papel crucial nos rituais védicos, mas sim à Lua, tradicionalmente correlacionada à chuva e à fertilidade. Assim, a “essência” (rasa) da Lua seria a chuva. Shankara diz que a Lua tem “a forma de todas as essências” (sarvarasānām ākārah)., cuja natureza é chuva-de-ambrosia, nutro todas as ervas.
15.14 Tornando-Me o [fogo] vaishvānara 11O vaishvanāra é o “fogo” digestivo do estômago. situado no corpo dos viventes, conjugado com a inspiração (prāna) e a expiração (apāna), cozinho 12Aqui, a expressão “cozinho” tem o sentido de “digiro”. os quatro alimentos. 13Segundo Hill (1928/1966), os “quatro alimentos” são o mastigado, o engolido ou bebido, o chupado e o lambido.
15.15 E estou alojado no coração de todos. De Mim [procedem] a memória, o conhecimento e a razão, e sou aquilo [que se dá] a conhecer por [meio de] todos os Vedas. Sou [também] o autor do fim-dos-Vedas 14Hill (1928/1966) observa que o termo vedānta, traduzido aqui como “fim-dosVedas”, provavelmente se refere aos Upanishads. Alguns estudiosos pensam que esse versículo é uma interpolação. De qualquer modo, o termo certamente não designa o sistema completo do Vedānta, tal como foi formulado por Shankara e outros. e o conhecedor do Veda. 15Essa estrofe encontra-se na cadência trishtubh.
15.16 Dois Espíritos (purusha) há neste mundo, o perecível e o imperecível. O perecível é todos os seres; o imperecível é dito “aquele que reside nos cimos”. 16Sobre o termo kutastha (“que reside nos cimos”), ver a nota 7 em 6.8.
15.17 Mas outro [diferente desses dois] é o Espírito inigualável chamado de Supremo Si Mesmo, que, penetrando os três mundos, sustenta[-os] como Senhor imutável.
15.18 Visto que transcendo o perecível e sou ainda mais excelso que o imperecível, sou portanto exaltado no mundo e nos Vedas como Purushottama. 17Sobre Purushottama, ver a nota 3 em 11.3.
15.19 Quem, iniludível, assim Me conhece como Purushottama – onisciente, ele Me adora com todo o [seu] ser (bhāva), ó descendente-de-Bharata.
15.20 Assim esse ensinamento secretíssimo foi declarado por Mim, ó Anagha 18Sobre o epíteto Anagha, aplicado a Arjuna, ver a nota 4 em 3.3.. Conhecendo-o, [a pessoa] se tornará sábia e [terá] cumprido o [seu] trabalho 19A expressão krita-kritya (“cumprido o trabalho”) refere-se à pessoa que desincumbiu-se de todas as suas obrigações. Isso significa que o verdadeiro yogin transcende a esfera dos deveres positivos e negativos e realiza espontaneamente todas as suas ações. Ver 3.22., ó descendente-de-Bharata.
Notas de Rodapé
- 1A árvore ashvattha, já mencionada em 10.26 (ver a nota 31 nesse versículo), é um antigo símbolo do samsāra, do mundo das coisas mutáveis. Ver Rig-Veda 1.2.4.7 e KathaUpanishad 6.1. Cf. Chāndogya-Upanishad 6.11. Hill (1928/1966) faz interessantes comentários sobre essa árvore: “Ao contrário do baniano, seu primo, ela não lança pequenas raízes aéreas para arraigar-se de novo na terra. Se assim é, por que se diz que ela tem as raízes em cima e os ramos embaixo? [Ver Gītā 15.1.] A formação da árvore é peculiar, pois suas raízes (que frequentemente se encontram, em parte, acima do chão) não convergem todas, como em outras árvores, para um único tronco central, mas em grande medida conservam sua forma separada e sobem num aglomerado, soltando cada uma seus ramos. Existe continuidade, portanto, entre cada raiz e seu próprio ramo; sendo inseparáveis as raízes e os ramos, é possível afirmar que o ramo desce à terra e que a raiz sobe ao alto.”
- 2A expressão “ligadas à ação” (karma-anubandhīni) refere-se ao fato que a raiz do samsāra são as interconexões kármicas. As estrofes 15.2-5 estão na cadência trishtubh.
- 3O primeiro verso dessa estrofe tem uma sílaba a mais.
- 4O termo com que a Lua é designada aqui é “a que tem a marca do coelho” (shashānka). Onde os ocidentais veem “São Jorge e o Dragão”, os indianos (e outros povos asiáticos) veem um coelho.
- 5A expressão jīva-bhūta, traduzida aqui por “elemento vital”, designa o Eu imanente no mundo manifesto. Trata-se de um aspecto divino mais elevado que o fundamentouniversal (Brahman). Ver nota 3 em 7.5.
- 6Às vezes, a mente inferior (manas) é contada não como o sexto, mas como o 11º sentido ou faculdade. Isso depende de as cinco faculdades de ação (karmendriya) serem ou não incluídas na enumeração. Ver nota 13 em 3.6.
- 7Aqui, o termo “senhor” (īshvara) parece referir-se ao Eu incorporado, não à Pessoa Suprema (purushottama), ou Deus.
- 8A expressão jnāna-cakshushah (“dotados do olho do conhecimento”) caracteriza os possuidores da sabedoria do Yoga. A expressão tem o mesmo sentido de divya-cakshus (o “olho divino” de 11.8).
- 9Aqui o texto usa o termo raro gā para se referir à Terra. Shankara equipara-o a prithivī.
- 10Seguindo Shankara, entendo que a palavra soma não se refere à planta de mesmo nome, que desempenhava papel crucial nos rituais védicos, mas sim à Lua, tradicionalmente correlacionada à chuva e à fertilidade. Assim, a “essência” (rasa) da Lua seria a chuva. Shankara diz que a Lua tem “a forma de todas as essências” (sarvarasānām ākārah).
- 11O vaishvanāra é o “fogo” digestivo do estômago.
- 12Aqui, a expressão “cozinho” tem o sentido de “digiro”.
- 13Segundo Hill (1928/1966), os “quatro alimentos” são o mastigado, o engolido ou bebido, o chupado e o lambido.
- 14Hill (1928/1966) observa que o termo vedānta, traduzido aqui como “fim-dosVedas”, provavelmente se refere aos Upanishads. Alguns estudiosos pensam que esse versículo é uma interpolação. De qualquer modo, o termo certamente não designa o sistema completo do Vedānta, tal como foi formulado por Shankara e outros.
- 15Essa estrofe encontra-se na cadência trishtubh.
- 16Sobre o termo kutastha (“que reside nos cimos”), ver a nota 7 em 6.8.
- 17Sobre Purushottama, ver a nota 3 em 11.3.
- 18Sobre o epíteto Anagha, aplicado a Arjuna, ver a nota 4 em 3.3.
- 19A expressão krita-kritya (“cumprido o trabalho”) refere-se à pessoa que desincumbiu-se de todas as suas obrigações. Isso significa que o verdadeiro yogin transcende a esfera dos deveres positivos e negativos e realiza espontaneamente todas as suas ações. Ver 3.22.