Disse o Senhor Bendito:
14.1 Proclamarei mais uma vez o conhecimento sem par, o melhor dos conhecimentos, por meio do qual todos os sábios alcançaram a mais excelsa perfeição.
14.2 Tendo recorrido a esse conhecimento e alcançado a identidade 1O termo sādharmya, traduzido aqui como “identidade”, significa literalmente “aquilo que tem a [mesma] lei”. Comigo, eles não nascem [de novo] nem sequer no [momento de uma nova] criação, nem tampouco temem a dissolução [do Cosmo].
14.3 O grande fundamento-universal 2Sobre o uso do termo brahman para designar o fundamento-universal, ver a nota 66 em 2.72. é meu útero. Nele Eu planto o feto; deste vem o nascimento de todos os seres, ó descendente-de-Bharata.
14.4 Quaisquer que sejam as formas que nascem em qualquer útero, ó filho–de-Kuntī 3Sobre o epíteto filho-de-Kuntī (Kaunteya), ver a nota 19 em 1.27., o grande fundamento-universal é o útero dessas formas e eu sou o pai [que] fornece a semente.
14.5 Sattva, rajas e tamas 4Sobre as qualidades-primárias (guna), ver a nota 44 em 2.45. – as [três] qualidades-primárias nascidas do Cosmo agrilhoam ao corpo a imutável essência incorporada (dehin), ó [Arjuna] dos braços fortes.
14.6 Dentre elas, sattva, por ser imaculada, é luminosa [e] sem mal. Agrilhoa, [porém,] pelo apego [sutil] à alegria e pelo apego ao conhecimento, ó Anagha. 5Sobre o epíteto Anagha, aplicado a Arjuna, ver a nota 4 em 3.3.
14.7 Estejas ciente de que rajas tem a natureza da paixão, [sendo] produzida pela sede 6“Sede” (trishnā) é um outro termo que significa o desejo de prazeres sensoriais (kāma). e pelo apego. Agrilhoa a essência-incorporada, ó filho-de-Kuntī, pelo apego à ação.
14.8 Mas estejas ciente de que tamas nasce da ignorância [espiritual], enganando todas as essências-incorporadas. Ela agrilhoa, ó descendente-de-Bharata, pela desatenção, pela indolência e pelo sono.
14.9 Sattva prende [a pessoa] à alegria; rajas, à ação; mas tamas, velando o conhecimento, [a] prende à desatenção, ó descendente-de-Bharata.
14.10 [Quando] rajas e tamas são sobrepujadas, sattva se torna [forte], ó descendente-de-Bharata. Assim também [ocorre com] rajas [quando] sattva e tamas [são sobrepujadas], bem como [com] tamas [quando] sattva e rajas [são sobrepujadas].
14.11 [Quando] a luminosidade, [que é] conhecimento 7 Muitos tradutores interpretam a expressão prakāsha upajāyate jnānam yadā como “quando a luz do conhecimento…”. Edgerton (1944) prefere “uma iluminação … que é conhecimento”. Hill (1928/1966) sugere “Quando … o conhecimento é como a luz…” , surge em todos os portões deste corpo, [o yogin] deve saber que sattva aumentou.
14.12 A cobiça, a atividade, o empreendimento de ações [egoístas], a inquietude e o desejo – estes nascem de rajas [quando ela] aumenta, ó Bharatarshabha. 8 Sobre o epíteto Bharatarshabha, ver a nota 48 em 3.41.
14.13 A ausência-de-luminosidade e a inatividade, [bem como] a desatenção e também o engano – estas nascem de tamas [quando ela] aumenta, ó Kurunandana. 9Sobre o epíteto Kurunandana, ver a nota 40 em 2.41.
14.14 Mas se aquele que traja o corpo [como uma veste] vai para a dissolução [da sua pessoa, ou seja, morre] quando sattva tiver aumentado, entra nos mundos imaculados dos conhecedores do Supremo.
14.15 [Se aquele que traja o corpo] encontra a dissolução [ou seja, a morte] quando rajas [predomina, ele] nasce entre os apegados à ação. Do mesmo modo, [se aquele que traja o corpo] se dissolve [ou seja, morre] quando tamas [prevalece, ele] nasce em úteros iludidos.
14.16 O fruto da ação bem feita, segundo dizem, é imaculado [e tem a] natureza de sattva. Mas o fruto de rajas é o sofrimento e o fruto de tamas é a ignorância.
14.17 De sattva nasce o conhecimento e de rajas, a cobiça, [ao passo que] a desatenção, o engano e também a ignorância nascem de tamas.
14.18 [Os que] repousam em sattva ascendem. Os rajásicos permanecem no meio e os tamásicos, estabelecidos no modo mais baixo das qualidades-primárias, caem.
14.19 Quando o vidente [ou seja, o aspecto da mente que é a testemunha de todas as coisas] vê [que não há] nenhum outro agente senão as qualidades-primárias, e [quando] toma ciência [daquilo que está] além das qualidades-primárias – ele alcança o Meu estado-de-ser.
14.20 Transcendendo essas três qualidades-primárias [que] produzem o corpo, a essência-incorporada (dehin) – livre do nascimento, da morte, da velhice e do sofrimento – adquire a imortalidade. 10A essência-incorporada (dehin), ou o Si Mesmo, já é imortal. Por isso, essa estrofe é considerada por muitos como uma das declarações autocontraditórias do Gītā. Na verdade, porém, o que temos aqui é uma simples aplicação da linguagem popular.
Arjuna disse:
14.21 Mediante quais sinais deve ser [reconhecido] aquele que transcende essas qualidades-primárias, ó Senhor? Qual [é sua] conduta? Como ele passa além dessas três qualidades-primárias?
Disse o Senhor Bendito:
14.22 A iluminação, a atividade e a ilusão – [quando elas] surgem, ele não [as] odeia; [quando] cessam, ele não [as] deseja, ó filho-de-Pāndu. 11Sobre o epíteto filho-de-Pāndu (Pāndava), ver a nota 61 em 10.37.
14.23 Aquele que se senta como [uma pessoa] indiferente 12Trata-se de uma atitude de indiferença espiritual, não de quem pouco se importa. Ver também 9.9. não é perturbado pelas qualidades-primárias. “As qualidades-primárias giram [por impulso próprio]” – assim [pensa] aquele que se mantém à parte e não se move.
14.24 [É] o mesmo no prazer [e na] dor, autossuficiente, o mesmo em [relação a] um torrão de terra, uma pedra ou [um objeto de] ouro, igual diante das [coisas] queridas e desagradáveis, firme, igual diante do louvor e da censura a ele [dirigidos].
14.25 Igual na honra e na desonra, igual diante dos amigos ou inimigos, renunciando a todos os empreendimentos – de um tal [homem] se diz que transcendeu as qualidades-primárias (gunātīta).
14.26 E aquele que serve a Mim com o infalível Yoga da devoção, tendo transcendido essas qualidades-primárias, está apto a se tornar o fundamento-universal.
14.27 Pois Eu [próprio] sou o alicerce do fundamento-universal, do imortal e do imutável, da lei eterna e da alegria singular. 13Aqui, Krishna reitera sua anterior afirmação de que está acima do fundamentouniversal (brahman). Ver também a nota 66 em 2.72.
Notas de Rodapé
- 1O termo sādharmya, traduzido aqui como “identidade”, significa literalmente “aquilo que tem a [mesma] lei”.
- 2Sobre o uso do termo brahman para designar o fundamento-universal, ver a nota 66 em 2.72.
- 3Sobre o epíteto filho-de-Kuntī (Kaunteya), ver a nota 19 em 1.27.
- 4Sobre as qualidades-primárias (guna), ver a nota 44 em 2.45.
- 5Sobre o epíteto Anagha, aplicado a Arjuna, ver a nota 4 em 3.3.
- 6“Sede” (trishnā) é um outro termo que significa o desejo de prazeres sensoriais (kāma).
- 7Muitos tradutores interpretam a expressão prakāsha upajāyate jnānam yadā como “quando a luz do conhecimento…”. Edgerton (1944) prefere “uma iluminação … que é conhecimento”. Hill (1928/1966) sugere “Quando … o conhecimento é como a luz…”
- 8Sobre o epíteto Bharatarshabha, ver a nota 48 em 3.41.
- 9Sobre o epíteto Kurunandana, ver a nota 40 em 2.41.
- 10A essência-incorporada (dehin), ou o Si Mesmo, já é imortal. Por isso, essa estrofe é considerada por muitos como uma das declarações autocontraditórias do Gītā. Na verdade, porém, o que temos aqui é uma simples aplicação da linguagem popular.
- 11Sobre o epíteto filho-de-Pāndu (Pāndava), ver a nota 61 em 10.37.
- 12Trata-se de uma atitude de indiferença espiritual, não de quem pouco se importa. Ver também 9.9.
- 13Aqui, Krishna reitera sua anterior afirmação de que está acima do fundamentouniversal (brahman). Ver também a nota 66 em 2.72.