CAPÍTULO 12 O Yoga da Devoção

Arjuna disse:

12.1 Os devotos que, desse modo, encontram-se sempre jungidos [e] Te adoram, ou [os] que adoram o Não Manifesto Imperecível – quais deles são os melhores conhecedores do Yoga?

Disse o Senhor Bendito:

12.2 Considero mais jungidos aqueles que, fixando a mente em Mim, adoram-Me sempre jungidos e dotados de suprema fé.

12.3 Mas [os] que adoram o Não Manifesto imperecível, indefinível, onipresente, inconcebível, situado nos cimos 1A expressão kūtastha (de kūta, “pico, cume, cimo”, e stha “situado, firmado”) significa literalmente “residente no cume” e é frequentemente traduzida por “imutável”, embora Hill (1928/1966) prefira “Inabalavelmente Exaltado”., imóvel [e] firme,

12.4 [e que,] contendo os exércitos dos sentidos, [mantêm] sua faculdade-da-sabedoria [sempre] igual em todas as coisas [e] se regozijam no bem de todos os seres – eles, em verdade, chegam a Mim.

12.5 [Muito] maior é a luta 2O texto em sânscrito diz klesha, que significa “aflição”. Aqui optamos por “luta”. daqueles [cuja] mente está ligada ao Não Manifesto. Pois o Não Manifesto [só] é alcançado pelos [seres] incorporados [ao cabo de] uma via atribulada. 3A expressão avyaktā hi gatir duhkham também pode ser traduzida como “pois o Não manifesto [é um] objetivo difícil”.

12.6 Mas aqueles que renunciam a todas as ações em Mim, atentos a Mim – [estes Me] adoram contemplando-Me através do Yoga, [e por] nenhum outro [meio]. 4Sargeant (1984) traduz ananyenaiva yogena como “por meio de um Yoga sem distrações”, enquanto Hill (1928/1966) sugere “com indiviso controle”.

12.7 Para aqueles [cuja] mente está fixa em Mim, ó filho-de-Prithā 5Sobre o epíteto filho-de-Prithā (Pārtha), ver a nota 18 em 1.25., em pouco tempo Me torno Aquele que os levanta do oceano do ciclo da morte. 6A expressão mrityu-samsāra-sāgara (“oceano do ciclo da morte”) se refere à existência condicionada, com seus repetidos nascimentos e mortes.

12.8 Situa a mente em Mim somente. Estabelece a faculdade-dasabedoria (buddhi) em Mim. Doravante 7Alguns tradutores relacionam logicamente “doravante” (ata ūrdhvam) com “não [há] dúvida”. habitarás em Mim somente. [Quanto a isso] não [há] dúvida.

12.9 Mas, [se] fores incapaz de concentrar a mente com firmeza em Mim, busca alcançar-Me pela prática do Yoga 8O texto em sânscrito traz abhyāsayogena, traduzido aqui como “pela prática do Yoga”., ó Dhanamjaya. 9Sobre o epíteto Dhanamjaya, ver a nota 7 em 1.15.

12.10 E se fores incapaz de [aplicar-te à] prática [do Yoga], sê 10O imperativo “sê” é uma tradução literal de bhava. A justificativa e a explicação dessa opção se encontram em 11.33, em que Krishna pede que Arjuna seja seu “instrumento” ou sua “ferramenta” (nimitta). A tradução de Zaehner (1966) para mat-karmaparamo bhava é “trabalha-e-age para Mim”; a de Radhakrishnan (1948), “sê como aqueles cujo objetivo supremo é servir a Mim”; e a de Hill (1928/1966), “tem por objetivo trabalhar por Mim”. Minha obra suprema. Pois, até executando ações em Meu nome, alcançarás a perfeição.

12.11 Mas, [se] fores incapaz até de fazer isso, recorre ao Meu Yoga [por meio da devoção], abandona o fruto de todas as ações [e] executa[-as] controlando-te a ti mesmo. 11Na tradução desse versículo, sigo o comentador Rāmānuja, que diz que o “Meu Yoga” não é outro senão o Bhakti-Yoga. Alguns manuscritos substituem madyogam (“Meu Yoga”) por udyogam (“esforço”).

12.12 Pois o conhecimento é melhor que a prática [ritual]. A meditação é superior ao conhecimento. Da meditação [vem] o abandono do fruto das ações. Do abandono [resulta] a paz imediata. 12Em geral, esse versículo é entendido de maneira diferente: “Pois a sabedoria é melhor que o [mero] esforço e a meditação é melhor que a sabedoria; e [melhor] que a meditação é renunciar aos frutos das obras: a renúncia conduz diretamente à paz” (Zaehner 1966). O próprio Zaehner reconhece que, traduzido dessa maneira, o versículo “não parece completar naturalmente o que vinha sendo dito”. Mas essa dificuldade pode ser resolvida se entendermos a palavra dhyānāt, da oração dhyānāt karma-phala-tyāgah, como um ablativo, que não indica comparação, mas direção ou precedência causal. O mais importante é continuar lendo e apreciar o evangelho de devoção de Krishna. Como observa Hill (1928/1966), os comentadores tradicionais “lutaram em vão” contra a mensagem desse versículo, enquanto muitos comentadores modernos “conservam-se discretamente em silêncio”. Também Hill resolve o aparente paradoxo ressaltando a proeminência do Bhakti Yoga de Krishna.

12.13 [Aquele que] não [sente] ódio por nenhum ser [é] amistoso e compassivo, despido [da ideia] de “meu”, despojado do sentido-do-ego, o mesmo no prazer e na dor, paciente.

12.14 [Esse] yogin sempre contente, autocontrolado, de firme determinação, [com] a mente e a faculdade-da-sabedoria oferecidas a Mim, devotado a Mim – ele Me é [verdadeiramente] querido.

12.15 [Aquele] de quem o mundo não se afasta e que não se afasta do mundo, que é livre da excitação, da ira, do medo e da agitação 13A palavra udvega, traduzida aqui por “agitação”, tem muitos sentidos possíveis. Alguns tradutores preferem “aflição”; outros, “ansiedade”. – ele Me é querido.

12.16 [Aquele] que é imparcial, puro, hábil, indiferente, [cuja] inquietação se foi, [que] abandonou todos os empreendimentos [egoístas e é] devotado a Mim – ele Me é querido.

12.17 [Aquele] que nem se regozija nem odeia, nem se lamenta, nem deseja–ardentemente [coisa alguma, que] abandonou [por completo as coisas] agradáveis e desagradáveis, que é repleto de devoção – ele Me é querido.

12.18 [Aquele que é] o mesmo diante de amigos e inimigos, bem como diante da honra e da desonra, [que é] o mesmo no frio e no calor, no prazer e no sofrimento (duhkha), [que é] destituído de apego,

12.19 [que tem na] mesma [conta] o elogio e a censura 14 Ver também 6.7. Alguns manuscritos e edições trazem a variante mānāpmānayoh., [que é] silencioso, contente com o que quer que [surja em seu caminho, que] não tem lar, [que tem] a mente estável e repleta de devoção – [esse] homem Me é querido.

12.20 Mas aqueles [que] adoram esse lícito (dharmya) néctar-da-imortalidade 15A expressão dharmyāmritam, traduzida aqui como “lícito néctar da imortalidade”, também foi traduzida por “néctar da sabedoria” (Sargeant 1984), “lei sagrada da imortalidade” (Hill 1928/1966), “caminho imperecível do serviço devocional” (Bhaktivedanta Swami 1983) e “justo valor imortal” (Nataraja Guru 1973). Minha tradução se baseia na tese de que o autor do Gītā talvez estivesse levando em conta que existem outras doutrinas (como a alquimia, por exemplo) que prometem um tipo de ambrosia (amrita) inferior ao néctar prometido aos que seguem os ensinamentos de Krishna. Como em muitos outros casos, Nataraja Guru, comentador e yogin, talvez seja o que mais se aproxima do sentido intencionado. Sobre o significado de dharmya (“lícito”), ver a nota 33 em 2.31. declarado [por Mim], [que] têm fé, [que fazem de] Mim o [objetivo] supremo [e] são devotados a [Mim] – estes Me são extraordinariamente queridos.

Notas de Rodapé

  • 1
    A expressão kūtastha (de kūta, “pico, cume, cimo”, e stha “situado, firmado”) significa literalmente “residente no cume” e é frequentemente traduzida por “imutável”, embora Hill (1928/1966) prefira “Inabalavelmente Exaltado”.
  • 2
    O texto em sânscrito diz klesha, que significa “aflição”. Aqui optamos por “luta”.
  • 3
    A expressão avyaktā hi gatir duhkham também pode ser traduzida como “pois o Não manifesto [é um] objetivo difícil”.
  • 4
    Sargeant (1984) traduz ananyenaiva yogena como “por meio de um Yoga sem distrações”, enquanto Hill (1928/1966) sugere “com indiviso controle”.
  • 5
    Sobre o epíteto filho-de-Prithā (Pārtha), ver a nota 18 em 1.25.
  • 6
    A expressão mrityu-samsāra-sāgara (“oceano do ciclo da morte”) se refere à existência condicionada, com seus repetidos nascimentos e mortes.
  • 7
    Alguns tradutores relacionam logicamente “doravante” (ata ūrdhvam) com “não [há] dúvida”.
  • 8
    O texto em sânscrito traz abhyāsayogena, traduzido aqui como “pela prática do Yoga”.
  • 9
    Sobre o epíteto Dhanamjaya, ver a nota 7 em 1.15.
  • 10
    O imperativo “sê” é uma tradução literal de bhava. A justificativa e a explicação dessa opção se encontram em 11.33, em que Krishna pede que Arjuna seja seu “instrumento” ou sua “ferramenta” (nimitta). A tradução de Zaehner (1966) para mat-karmaparamo bhava é “trabalha-e-age para Mim”; a de Radhakrishnan (1948), “sê como aqueles cujo objetivo supremo é servir a Mim”; e a de Hill (1928/1966), “tem por objetivo trabalhar por Mim”.
  • 11
    Na tradução desse versículo, sigo o comentador Rāmānuja, que diz que o “Meu Yoga” não é outro senão o Bhakti-Yoga. Alguns manuscritos substituem madyogam (“Meu Yoga”) por udyogam (“esforço”).
  • 12
    Em geral, esse versículo é entendido de maneira diferente: “Pois a sabedoria é melhor que o [mero] esforço e a meditação é melhor que a sabedoria; e [melhor] que a meditação é renunciar aos frutos das obras: a renúncia conduz diretamente à paz” (Zaehner 1966). O próprio Zaehner reconhece que, traduzido dessa maneira, o versículo “não parece completar naturalmente o que vinha sendo dito”. Mas essa dificuldade pode ser resolvida se entendermos a palavra dhyānāt, da oração dhyānāt karma-phala-tyāgah, como um ablativo, que não indica comparação, mas direção ou precedência causal. O mais importante é continuar lendo e apreciar o evangelho de devoção de Krishna. Como observa Hill (1928/1966), os comentadores tradicionais “lutaram em vão” contra a mensagem desse versículo, enquanto muitos comentadores modernos “conservam-se discretamente em silêncio”. Também Hill resolve o aparente paradoxo ressaltando a proeminência do Bhakti Yoga de Krishna.
  • 13
    A palavra udvega, traduzida aqui por “agitação”, tem muitos sentidos possíveis. Alguns tradutores preferem “aflição”; outros, “ansiedade”.
  • 14
     Ver também 6.7. Alguns manuscritos e edições trazem a variante mānāpmānayoh.
  • 15
    A expressão dharmyāmritam, traduzida aqui como “lícito néctar da imortalidade”, também foi traduzida por “néctar da sabedoria” (Sargeant 1984), “lei sagrada da imortalidade” (Hill 1928/1966), “caminho imperecível do serviço devocional” (Bhaktivedanta Swami 1983) e “justo valor imortal” (Nataraja Guru 1973). Minha tradução se baseia na tese de que o autor do Gītā talvez estivesse levando em conta que existem outras doutrinas (como a alquimia, por exemplo) que prometem um tipo de ambrosia (amrita) inferior ao néctar prometido aos que seguem os ensinamentos de Krishna. Como em muitos outros casos, Nataraja Guru, comentador e yogin, talvez seja o que mais se aproxima do sentido intencionado. Sobre o significado de dharmya (“lícito”), ver a nota 33 em 2.31.
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