Depois de Krishna, o príncipe Arjuna (“Branco”) é o segundo indivíduo mais importante do Gītā. É o grande amigo e devoto de Krishna e, no Mahābhārata, também é muitas vezes chamado de Krishna.
Arjuna é listado como o terceiro filho do rei Pāndu e da rainha Draupadī (Kuntī), mas a situação, como seria de esperar, na realidade é muito mais complexa. Enquanto ainda morava no palácio do rei Kuntibhoja, Kuntī serviu o grande sábio Durvāsas por quatro meses, e o fez com tal excelência que ele quis agradecer-lhe por seus serviços. Deu-lhe então um mantra especial que ela poderia usar cinco vezes. Ensinou-lhe que, repetindo o mantra, ela geraria um filho daquela pessoa em quem pensasse durante a recitação mântrica. Também lhe garantiu que ela não teria de se preocupar, pois não perderia a virgindade. O rei Pāndu era vítima de um feitiço maligno que o impossibilitava de sequer tocar em suas duas esposas, sob pena de morrer instantaneamente. A dádiva do sábio Durvāsas permitiu que Kuntī garantisse a continuidade da linhagem real.
Querendo antes de tudo testar o mantra, Kuntī decidiu meditar no deus Sūrya (“Sol”), que prontamente apareceu diante dela. Logo ela deu à luz Karna (“Orelha”), que nasceu usando armadura e brincos.
Enquanto os usasse, seria invencível; mas generosamente cedeuos a Indra, mesmo sabendo que Indra, de algum modo, estava tramando contra ele.
Kuntī colocou Karna dentro de uma caixa e deixou-o à deriva no rio Ashvā (“Cavalo”). A caixa flutuou até a distante Campāpurī, capital do reino de Anga, que era famosa por seus cocheiros (sūta).
Karna foi encontrado no rio e adotado pelo cocheiro Adhiratha.
Embora os espiões de Kuntī lhe relatassem a vida de Karna na casa de Adhiratha, ela ocultou o nascimento dele a seus outros filhos; logo antes da guerra dos Bharatas, contudo, revelou a Karna que ela era sua mãe e os Pāndavas, seus irmãos. Os Pāndavas só conheceram a verdadeira identidade de Karna quando a guerra terminou e ele já estava morto. Karna prometeu que não mataria nenhum de seus irmãos na guerra vindoura, exceto Arjuna; mas estava destinado a falhar em sua tentativa de fratricídio.
Mais a sério dessa vez, Kuntī repetiu o mantra e gerou Dharmaputra (ou seja, Yudhishthira) do deus Dharma (“Lei”). O terceiro filho foi Arjuna, engendrado por Indra, belicoso comandante dos exércitos divinos; e o quarto foi Bhīmasena, engendrado pelo deus Vayu (“Vento”).
O quinto desejo mântrico ela cedeu a Mādrī, coesposa de seu marido. Mādrī meditou nos Ashvins, os gêmeos celestiais, e prontamente deu à luz os gêmeos Nakula e Sahadeva. Na cerimônia em que o jovem Yudhishthira foi investido com o tradicional cordão sagrado que assinalava os “nascidos duas vezes”, o rei Pāndu morreu e Mādrī optou por imolar-se na pira funerária do marido (um antigo costume chamado sāti). Kuntī decidiu criar os cinco príncipes Pāndavas.
Embora Yudhishthira tenha sucedido a Pāndu, seu pai humano, seu reinado era mais ritual que concreto. A habilidade militar e a enorme força de Arjuna faziam dele o rei de fato. Sua aliança com Krishna permitiu que ele se opusesse militarmente aos Kauravas, vencesse a terrível guerra e assegurasse a soberania de Yudhishthira.
Arjuna e seus irmãos foram criados na corte de Hastināpura junto de seus primos Kauravas. Arjuna aprendeu a arte da guerra (dhanur-veda, “conhecimento do arco”) primeiro com Shuka, depois com Kripa e por fim com Drona. Reparando na facilidade com que era capaz de levar a mão à boca mesmo no escuro, Arjuna aprendeu sozinho a usar o arco na mais completa escuridão.
Certa vez, quando estavam se banhando no Ganges, uma baleia abocanhou a perna de Drona e ele foi salvo da morte certa por uma flecha bem atirada pelo arco de Arjuna. Drona ficou profundamente agradecido e iniciou Arjuna no segredo do brahma-shirāstra (“míssil da cabeça de Brahma”), com a condição de que ele jamais usasse essa arma terrível (que tinha o poder de arrancar uma das cabeças do deus Brahma).
Durante uma competição organizada pelo rei cego Dhritarāshtra, Arjuna mostrou ser um arqueiro tão competente quanto Karna, seu mestre. Quando o rei mesmo assim quis dar a vitória a Karna, Arjuna irritou-se e insultou Karna, dizendo que sua estirpe era baixa demais para que ele participasse de um concurso real. Duryodhana, o filho mais velho de Dhritarāshtra, que sempre tivera inveja de Arjuna, interveio e decidiu a questão proclamando que Karna seria a partir de então o rei de Anga. Esse incidente serviu para atiçar o fogo da inimizade entre os Kauravas e os Pāndavas.
Quando chegou a hora de os Pāndavas concederem a Drona uma oferenda ritual para pagar sua paciente instrução em arquearia, Drona pediu que Drupada, rei de Pāncāla, lhe fosse trazido acorrentado. Os Pāndavas atenderam ao desejo de seu guru das armas, pondo fim ao ódio de Drona contra Drupada. O rei de Pāncāla ofereceu a Drona metade de seu grande reino. Nessa ocasião, Drona aconselhou Arjuna a não hesitar em lutar contra ele próprio caso algum dia os dois viessem a se opor. Os dois heróis efetivamente lutaram na guerra, mas foi Dhrishtadyumna, filho do rei Drupada e irmão de Pāncālī, que cortou a cabeça de Drona quando este entrou em meditação profunda durante uma das batalhas.
Quando os Pāndavas cresceram, o rei Drupada quis casar sua filha Krishnā e permitiu que ela escolhesse o próprio marido num torneio aberto de arquearia. O rei Drupada fez instalar um grande arco e montou, a grande distância, uma máquina com um anel giratório em frente ao alvo. Pretendentes de todo tipo compareceram à cerimônia, entre eles Karna e Duryodhana, mas nenhum pôde sequer levantar o grande arco. Somente Arjuna conseguiu tomá-lo nas mãos e acertar o alvo numa única flechada.
O rei Drupada, que secretamente desejava que fosse Arjuna a casar-se com sua filha, ficou extremamente satisfeito. Tinha recebido a falsa notícia de que os Pāndavas haviam perecido no incêndio de um palácio feito de laca (em razão de uma conspiração urdida contra eles), e o fato de ver Arjuna vivo e vitorioso lhe deu um contentamento especial.
Quando os cinco príncipes retornaram ao casebre em que moravam, na floresta, Kuntī, dentro de casa, mandou em voz alta que eles partilhassem entre si tudo o que tivessem recebido naquele dia. Enquanto se escondiam dos Kauravas, eles saíam para mendigar comida para si e para a mãe, e Kuntī não sabia que Arjuna havia ganhado a mão da filha de Drupada. Não podia, assim, antever que suas palavras teriam consequências tão importantes: obedecendo literalmente à ordem da mãe, os cinco Pāndavas tomaram Krishnā como sua esposa comum, e a jovem princesa concordou com o arranjo. Atendendo ao conselho do sábio Nārada, cada um deles podia passar um ano com ela sem ser perturbado pelos outros irmãos.
Além de se casar com Krishnā/Pāncālī/Draupadī, Arjuna também se casou com várias outras mulheres, entre elas Ulūpikā (filha do rei dos Nāgas, uma raça de serpentes), Citrāngadā (filha do rei de Manalur) e Subhadrā (irmã de Krishna).
Durante a guerra de dezoito dias, Arjuna foi o comandante supremo dos Pāndavas. Travou numerosos combates e destruiu o exército dos Kauravas. Matou Bhīshma e Karna, entre vários outros grandes guerreiros.
Depois da guerra, Arjuna e seus irmãos foram a Hastināpura do reino pāndava para assumir o governo de todo o país, sob a liderança formal de Yudhishthira. Depois de viver vários anos na vida cortesã, Arjuna foi morto por seu filho Babhruvāhana, que cumpriu assim uma maldição lançada contra Arjuna pelos oito Vasus (divindades dos elementos) e por Gangā, deusa do Rio Ganges. Ao ver dessas divindades, a morte de Arjuna redimiria o ato de injustiça que ele cometera ao matar o poderoso Bhīshma quando este estava lutando contra outra pessoa. Arjuna, instigado por Krishna, cometeu várias ofensas desse tipo durante a guerra e foi repreendido pelos outros guerreiros por causa disso.
Depois de ser morto pelo filho, Arjuna foi ressuscitado por sua esposa Ulūpikā, a princesa dos Nāgas. A velhice, porém, já estava levando a melhor sobre ele. Com a morte de Krishna, Arjuna sentiu imensa tristeza e se viu privado de toda a sua força. Os príncipes Pāndavas empreenderam então uma longa peregrinação coletiva ao Himalaia.
Pancalī foi a primeira a morrer no caminho. Os próximos foram Sahadeva e Nakula. Arjuna foi o quarto. Yudhishthira (Dharmaputra) se recusou a subir ao céu até ter garantias de que seus irmãos já estavam lá. Insistiu até em levar seu cão fiel consigo para o céu.
Epítetos de Arjuna Usados no Gītā
- Arjuna, como Krishna, é chamado por vários epítetos no Gītā (e por muitos outros no Mahābhārata como um todo): Anagha: Sem Pecado
- Bharata: Descendente de Bharata (o rei Bharata, primeiro governante da tribo dos Bharatas e antepassado do famoso rei Kuru)
- Bharatarshabha: Touro de Bharata
- Bharatasattama: Primeiro dos Bharatas
- Bharatashreshtra: Melhor dos Bharatas
- Dhanamjaya: Conquistador de Riquezas [Espirituais]
- Gudākesha: [Aquele cujo] cabelo [é amarrado na forma de uma] bola (ou coque); ou, esotericamente, Aquele que dominou o sono
- Kaunteya: Filho de Kuntī
- Kirītin: [Aquele que usa um] diadema
- Kurunandana: Alegria dos Kurus
- Kurupravīra: Herói dos Kurus
- Kurusattama: Primeiro dos Kurus
- Kurushreshtha: Melhor dos Kurus
- Pāndava: Descendente de Pāndu ou Filho de Pāndu
- Paramtapa: Flagelo dos Inimigos
- Pārtha: Filho de Prithā
- Purusharishabha: Touro entre os Homens
- Purushavyāghra: Homem-Tigre
- Savyasācin: Hábil com a [mão] esquerda