“Arjuna disse:
“Da renúncia, ó tu de braços fortes, eu desejo saber a natureza verdadeira, e também do abandono, ó senhor dos sentidos, claramente, ó matador de Kesi‟.
“O Senhor Bendito disse:
“A rejeição das atividades com desejo é conhecida pelos eruditos como renúncia. O abandono do resultado de todas as atividades os discernentes chamam de abandono. Alguns homens sábios dizem que a (própria) atividade deve ser abandonada como mal; outros (dizem) que atividades de sacrifício, doações, e penitência não devem ser abandonadas.
Quanto àquele abandono, escuta a minha decisão, ó melhor dos filhos de Bharata, pois o abandono, ó tigre entre homens, é declarado como sendo de três tipos. Os trabalhos de sacrifício, doações, e penitências não devem ser abandonados. Eles devem, de fato, ser feitos. Sacrifícios, doações, e penitências são as purificações dos sábios. Mas mesmo aqueles trabalhos devem ser feitos abandonando apego e resultado.
Essa, ó filho de Pṛthā, é a minha opinião excelente e decidida. A renúncia de uma ação prescrita (nas escrituras) não é apropriada. Seu abandono (é) por ilusão, (e) é (portanto,) declarado como sendo da qualidade de ignorância. (Considerando-o) como (uma fonte de) tristeza, quando o trabalho é abandonado por (medo de) dor corpórea, a pessoa que faz tal abandono o qual é da qualidade de paixão nunca obtém o fruto do abandono.
(Considerando-o) como algo que deve ser feito, quando o trabalho que é prescrito (nas escrituras) é feito, ó Arjuna, abandonando apego e resultado também, aquele abandono é considerado como da qualidade de bondade. Possuidor de inteligência e com dúvidas dissipadas, um renunciante que é dotado da qualidade de bondade não tem aversão por uma ação desagradável e nenhuma atração pelas agradáveis.
Já que as ações não podem ser absolutamente abandonadas por um ser incorporado, (portanto) aquele que abandona o resultado das ações é verdadeiramente considerado um renunciante. Ação má, boa e mesclada tem (esse) resultado triplo após a morte para aqueles que não abandonam. Mas não há nenhum de qualquer tipo para o renunciante. Ouve-me, ó tu de armas poderosas, àquelas cinco causas para a conclusão de todas as ações, declaradas no Sāṃkhya que trata da aniquilação das ações.
(Elas são) substrato, agente, as diversas espécies de órgãos, os diversos esforços separadamente, e com eles as divindades como a quinta. Com corpo, fala, ou mente, qualquer atividade, justa ou não, que um homem empreenda, essas cinco são suas causas. Isso sendo assim, aquele que, devido a uma compreensão não refinada, vê somente a si mesmo como o agente, ele, de mente obtusa, não vê.
Aquele que não tem sentimento de egoísmo,1Que não se considera como o fazedor. cuja mente não é maculada,[68] ele, mesmo matando todas essas pessoas, não mata, nem é agrilhoado (pela ação). O conhecimento, o objeto de conhecimento, e o conhecedor formam o triplo impulso da ação. Instrumento, ação e agente.2Pela mancha do desejo de resultado.
O substrato é o corpo. O agente é a pessoa que pensa que ela mesma é o ator. Os órgãos são aqueles de percepção etc. Os esforços são as ações dos ares vitais, Prāṇa, etc. As divindades são aquelas que presidem sobre a visão e os outros sentidos. formam o complemento triplo da ação. Conhecimento, ação, e agente são declarados na enumeração de qualidades [69] como sendo triplos, de acordo com a diferença de qualidades.
Escuta isso também devidamente. Aquele pelo qual Uma Essência Eterna é vista em todas as coisas, indivisa no dividido, sabe que aquele é o conhecimento que tem a qualidade de bondade. Aquele conhecimento que discerne todas as coisas como diversas essências de diferentes tipos por sua separatividade, sabe que aquele conhecimento tem a qualidade de paixão.
Mas aquele o qual é ligado a (cada) objeto único como se ele fosse o todo, o qual é sem bom senso, sem verdade, e desprezível, aquele conhecimento é citado como da qualidade de ignorância. A ação que é prescrita (pelas escrituras), (feita) sem apego, realizada sem desejos e sem aversão, por alguém que não anseia por (seu) resultado, é citado como sendo da qualidade de bondade.
Mas aquela ação que é feita por alguém procurando objetos de desejo, ou por alguém cheio de egoísmo, e que é acompanhada por grande incômodo, é citada como da qualidade de paixão. Aquela ação que é empreendida por ilusão, sem consideração pelas consequências, perda, dano (para outros), e (pelo próprio) poder também, é citada como da qualidade de ignorância.
O agente que é livre de apego, que nunca fala dele mesmo, que é dotado de constância e energia, e é inalterado por sucesso e derrota, é mencionado como sendo da qualidade de bondade. O agente que é cheios de afeições, que deseja o resultado das ações, que é cobiçoso, dotado de crueldade, e impuro, e que sente alegria e tristeza, é declarado como da qualidade de paixão.
O agente que é desprovido de aplicação, sem discernimento, teimoso, enganador, malicioso, indolente, desanimado, e procrastinador, é citado como da qualidade de ignorância. Ouve agora, ó Dhanaṃjaya, a divisão tripla do intelecto e da constância, segundo as suas qualidades, as quais eu estou prestes a declarar exaustivamente e claramente. O intelecto que conhece ação e inação, o que deve ser feito e o que não deve ser feito, medo e destemor, escravidão e libertação, é, ó filho de Pṛthā, da qualidade de bondade.
O intelecto pelo qual uma pessoa discerne imperfeitamente certo e errado, aquilo que deve ser feito e aquilo que não deve ser feito, é, ó filho de Pṛthā, da qualidade de paixão. Aquele intelecto que, coberto pela escuridão, considera errado como certo, e todas as coisas como invertidas, é, ó filho de Pṛthā, da qualidade de ignorância. Aquela constância inabalável pela qual uma pessoa controla as funções da mente, os ares vitais, e os sentidos, através da devoção, aquela constância, é, ó filho de Pṛthā, da qualidade de bondade.
Mas aquela constância, ó Arjuna, pela qual alguém adere à religião, desejo, e lucro, por apego, desejando o resultado, aquela constância, ó filho de Pṛthā, é da qualidade de paixão. Aquela pela qual uma pessoa sem discernimento não abandona torpor, medo, tristeza, desânimo, e tolice, aquela constância é considerada da qualidade de ignorância.
Ouve agora de mim, ó touro da raça Bharata, sobre os três tipos de felicidade. Aquela na qual alguém encontra satisfação da repetição (do prazer), a qual traz um fim à dor, que é como veneno no princípio, mas parece néctar no fim, aquela felicidade nascida da serenidade produzida pelo autoconhecimento, é citada como sendo da qualidade de bondade.
Aquela que é proveniente do contato dos sentidos com seus objetos, a qual parece néctar primeiro, mas é como veneno no fim, aquela felicidade é considerada da qualidade de paixão. Aquela felicidade a qual no início e em suas consequências ilude a alma, e surge do torpor, indolência, e estupidez, é descrita como da qualidade de ignorância.
Não há, nem na terra nem no céu entre os deuses, a entidade que está livre dessas três qualidades nascidas da natureza. Os deveres de brâmanes, kṣatriyas, e vaiśyas, e de śūdras também, ó castigador de inimigos, são distinguidos por (essas três) qualidades nascidas da natureza.
Tranquilidade, autodomínio, austeridades ascéticas, pureza, perdão, retidão, conhecimento, experiência, e fé (na existência futura), são os deveres dos brâmanes, nascidos da (própria) natureza (deles). Coragem, energia, firmeza, habilidade, não fugir da batalha, generosidade, a conduta de um soberano, esses são os deveres dos kṣatriyas, nascidos de (sua própria) natureza.
Agricultura, criação de gado, e comércio, são os deveres naturais dos vaiśyas. Dos śūdras também, o dever natural consiste em servidão. Todo homem, dedicado aos seus próprios deveres, alcança a perfeição. Ouve agora como alguém obtém perfeição por aplicação aos seus deveres.
Ele de quem são os movimentos de todos os seres, Ele por quem tudo isso é permeado, reverenciando a Ele (pelo cumprimento) do próprio dever, uma pessoa obtém perfeição. Melhor é o próprio dever embora realizado imperfeitamente do que o dever de outro bem realizado. Realizando o dever prescrito por (sua própria) natureza, uma pessoa não incorre em pecado.
Não se deve abandonar, ó filho de Kuntī, o próprio dever natural embora maculado pelo mal, pois todas as ações estão envolvidas pelo mal como fogo por fumaça. Aquele cuja mente é livre em todos os lugares, que subjugou sua personalidade, e cujo desejo pereceu, obtém, através da renúncia, a perfeição suprema da liberdade de atividade. Aprende de mim, somente em resumo, ó filho de Kuntī, como uma pessoa, tendo obtido (esse tipo de) perfeição, alcança Brahma que é o fim supremo do conhecimento.
Dotado de uma mente pura, e controlando a si mesmo pela constância, renunciando ao som e outros objetos dos sentidos, e abandonando afeição e aversão, aquele que reside em um lugar solitário, come pouco, e controla a fala, corpo, e mente, que está sempre concentrado em meditação e abstração, que recorreu à indiferença, que, abandonando egoísmo, violência, orgulho, luxúria, ira, e (todos os) circundantes, está livre de egoísmo e é tranquilo (em mente), torna-se apto para assimilação com Brahma.
Tornando-se una com Brahma, tranquila em espírito, (tal) pessoa não se aflige, não deseja; igual para com todos os seres, ela obtém a maior devoção por Mim. Por (aquela) devoção ela realmente compreende a Mim. O que Eu sou, e quem Eu sou; então me compreendendo realmente, ela entra em Mim em seguida. Realizando todas as ações em todos os momentos tendo se refugiado em Mim, ela alcança, por meu favor, a base que é eterna e imperecível.
Dedicando em teu coração todas as ações a Mim, sendo devotado a Mim, recorrendo à abstração mental, fixa os teus pensamentos constantemente em Mim. Fixando os teus pensamentos em Mim, tu superarás todas as dificuldades por minha graça. Mas se por presunção tu não escutares, tu (então) perecerás totalmente. Se, recorrendo à presunção, tu pensares “Não lutarei‟, aquela tua resolução será inútil, (pois) a Natureza te obrigará.
Aquilo que, por ilusão, tu não desejares fazer, tu farás involuntariamente, obrigado pelo teu próprio dever que nasce da (tua própria) natureza. O Senhor, ó Arjuna, mora na região do coração dos seres, girando todos os seres como se colocados sobre uma máquina, por seu poder ilusório.
Procura abrigo com Ele de todas as maneiras, ó Bhārata. Por sua graça tu obterás tranquilidade suprema, a base eterna. Assim foi declarado a ti por Mim o conhecimento que é mais misterioso do que qualquer (outro) assunto. Refletindo sobre isso detalhadamente, age como tu quiseres. Mais uma vez, escuta as minhas palavras sublimes, as mais misteriosas de todas. Tu és muitíssimo amado por Mim, portanto, eu declararei o que é para teu benefício.
Fixa o teu coração em Mim, torna-te Meu devoto, sacrifica para Mim, reverencia a Mim. Então tu virás a Mim. Eu te declaro verdadeiramente, (pois) tu és querido para Mim. Abandonando todos os deveres (religiosos), vem a Mim como teu único refúgio. Eu te libertarei de todos os pecados.
Não te aflijas. Isso nunca deve ser revelado por ti para alguém que não pratica austeridades, para alguém que não é um devoto, para alguém que nunca serviu um preceptor, nem ainda para alguém que calunia a Mim. Aquele que inculcar esse mistério supremo àqueles que são devotados a Mim, oferecendo-me a devoção mais sublime, virá a Mim, livre de (todas as suas) dúvidas.
Entre os homens não há ninguém que possa me fazer um serviço mais precioso do que ele, nem algum outro sobre a terra será mais estimado por Mim do que ele. E aquele que estudar essa santa conversa entre nós, por ele será oferecido a Mim o sacrifício de conhecimento. Tal é a minha opinião.
Mesmo o homem que, com fé e sem contestar capciosamente, a ouvir (ler), ele mesmo, livre (do renascimento), alcançará as regiões abençoadas daqueles que realizam ações virtuosas. Isso, ó filho de Pṛthā, foi ouvido por ti com mente não dirigida para quaisquer outros objetos? Tua ilusão, (causada) pela ignorância, foi destruída, ó Dhanaṃjaya?’
“Arjuna disse:
“A minha ilusão foi destruída, e a recordação (do que eu sou) foi obtida por mim, ó Imperecível, por tua graça. Eu agora estou decidido. As minhas dúvidas foram dissipadas. Eu farei o que tu dizes.’“
Sañjaya continuou, “Assim eu ouvi essa conversa entre Vāsudeva e o filho de grande alma de Pṛthā, (que é) maravilhosa e faz os cabelos se arrepiarem. Pela bênção de Vyāsa eu ouvi esse mistério supremo, essa (doutrina do) Yoga, do próprio Kṛṣṇa, o Senhor do Yoga, que o declarou pessoalmente.
Ó rei, lembrando e (re)lembrando daquela conversa magnífica (e) sagrada de Keśava e Arjuna, eu me regozijo repetidamente. Lembrando repetidas vezes daquela forma extraordinária também de Hari, grande é o meu assombro, ó rei, e eu me regozijo sempre mais. Lá onde Kṛṣṇa, o Senhor do Yoga (está), lá onde o grande arqueiro (Pārtha) está, lá, na minha opinião, se encontram prosperidade, e vitória, e grandeza, e justiça eterna.’“
Fim.
Notas de Rodapé
- 1Que não se considera como o fazedor.
- 2Pela mancha do desejo de resultado.