“Arjuna disse,
‘Se a devoção, ó Janārdana, é considerada por ti como superior à ação, por que então, ó Keśava, tu me engajas em tal trabalho terrível? Por meio de palavras ambíguas tu pareces confundir a minha compreensão. Portanto, dize-me uma coisa definitivamente pela qual eu possa realizar o que é bom.’
“O Senhor Bendito disse,
‘Já foi dito por mim, ó impecável, que há aqui, neste mundo, dois tipos de devoção; aquele dos Sāṃkhyas através do conhecimento e aquele dos yogins através da ação.
Um homem não adquire liberdade da ação (somente) pela não realização da ação. Nem ele adquire emancipação final somente pela renúncia (à ação). Ninguém pode subsistir nem por um momento sem agir.
Aquele homem de alma iludida que, refreando os órgãos dos sentidos, vive mentalmente apreciando os objetos dos sentidos, é considerado um hipócrita.
Aquele, no entanto, ó Arjuna, que, reprimindo (seus) sentidos por meio de sua mente, se engaja em devoção (na forma de) atividade com os órgãos de atividade, e está livre de atração, é eminente (acima de todos). (Portanto), dedica-te sempre ao trabalho, pois ação é melhor do que inação.
O próprio sustento do teu corpo não pode ser realizado sem trabalho. Esse mundo é agrilhoado por toda ação exceto aquela que é (realizada) por Sacrifício (por Viṣṇu). (Portanto), ó filho de Kuntī, realiza trabalho por causa disso, livre de atração.
Nos tempos antigos, o Senhor da Criação, criando homens e sacrifício juntos, disse, “Prosperem por meio desse (Sacrifício). Que esse (Sacrifício) seja para vocês (todos) o dispensador de todos os objetos apreciados por vocês. Façam os deuses crescerem com isso, e deixem os deuses (em retorno) fazerem vocês crescer. Assim realizando os interesses mútuos vocês obterão aquilo que é benéfico (para vocês). Propiciados com sacrifícios os deuses lhes concederão os prazeres que vocês desejam. Aquele que desfruta (sozinho) sem oferecer a eles o que eles têm dado é indubitavelmente um ladrão.
Os bons que comem o resto de sacrifícios estão livres de todos os pecados. Incorrem em pecado aqueles iníquos que cozinham alimento por sua própria causa.
‟ Por causa do alimento existem todas as criaturas; e o sacrifício é o resultado do trabalho. Sabe que o trabalho provém dos Vedas, e os Vedas se originaram d’Ele que não tem decadência. Portanto, o Ser Supremo que permeia tudo está instalado em sacrifício. Aquele que não se adapta a essa roda que está girando dessa maneira, aquele homem de vida
pecaminosa que se deleita (na indulgência de) seus sentidos, vive em vão, ó Pārtha.1A roda se refere àquilo que foi dito antes, isto é, dos Vedas vem o trabalho, do trabalho a chuva, da chuva o alimento, do alimento todas as criaturas, das criaturas novamente o trabalho e assim de volta aos Vedas. O homem, no entanto, que é apegado ao Eu somente, que está contente consigo, e que está satisfeito em si mesmo, não tem trabalho (a fazer). Ele não tem inquietação com qualquer ação nem com alguma omissão aqui. Nem, entre todas as criaturas, há alguma da qual seu interesse dependa.2Tal homem não ganha mérito por ação, nem pecado por inação ou omissão. Nem há alguém desde o Ser Supremo até a mais baixa criatura de quem ele dependa para alguma coisa.
Portanto, sempre faze o trabalho que deve ser feito, sem apego. O homem que realiza ação sem apego alcança o Supremo. Somente pelo trabalho, Janaka e outros alcançaram a realização de seus objetivos.
Tendo consideração também pelo cumprimento por homens de seus deveres, cabe a ti trabalhar. Qualquer coisa que um grande homem faça é também feita pelas pessoas comuns. Homens comuns seguem o ideal estabelecido por eles (os grandes). Não há nada em absoluto, ó Pārtha, para eu fazer nos três mundos, (já que eu não tenho) nada que não tenha sido adquirido por mim; entretanto eu me dedico à ação.
Porque se em algum momento eu não, sem preguiça, me engajasse em ação, os homens seguiriam o meu caminho, ó Pārtha, por toda parte. Os mundos pereceriam se eu não realizasse trabalho, e eu causaria mistura de castas e arruinaria essas pessoas.
Como os ignorantes trabalham, ó Bhārata, tendo apego pelo realizador, assim um homem sábio deve trabalhar sem ser apegado, desejando tornar os homens cumpridores de seus deveres. Um homem sábio não deve causar confusão de compreensão entre as pessoas ignorantes, que têm apego ao próprio trabalho; (por outro lado) ele deve, (ele mesmo), agindo com devoção, engajá-los em todos (os tipos de) trabalho.
Todas as atividades são, de todas as maneiras, feitas pelas qualidades da natureza.3Natureza significando matéria primordial. Aquele cuja mente está iludida pelo egoísmo, no entanto, considera a si mesmo como o ator. Mas aquele, ó de braços fortes, que conhece a distinção (do Eu) das qualidades e trabalho, não é apegado ao trabalho, considerando que são seus sentidos somente (e não ele mesmo) que se ocupam de seus objetos.
Aqueles que são iludidos pelas qualidades da natureza ficam ligados às ações feitas pelas qualidades. Uma pessoa de conhecimento perfeito não deve confundir aqueles homens de conhecimento imperfeito.
Dedicando todo trabalho a mim (isto é, na crença de que tudo o que você faz é por mim ou por minha causa), com (a tua) mente dirigida ao Eu, empenha-te na batalha, sem desejo, sem afeto e com a tua fraqueza (de coração) dissipada.
Aqueles homens que sempre seguem essa minha opinião com fé e sem cavilação alcançam a emancipação final até por meio de trabalho. Mas aqueles que contestam capciosamente e não seguem essa minha opinião, sabe que, privados de todo conhecimento e sem discernimento, eles são arruinados.
Mesmo um homem sábio age de acordo com a sua própria natureza. Todos os seres vivos seguem (a sua própria) natureza. Qual então seria a utilidade da restrição?
Os sentidos têm, com relação aos objetos dos sentidos, ou atração ou aversão fixas. Uma pessoa não deve se submeter a elas, pois elas são obstáculos no caminho.4Os sentidos, com relação aos seus diversos objetos no mundo, são ou puxados em direção a eles ou repelidos por eles. Esses gostos e desgostos (no caso dos homens que, é claro, somente agem de acordo com a sua natureza) ficam no caminho de sua emancipação, se os homens cedem a eles. O próprio dever, mesmo que imperfeitamente realizado, é melhor do que ser feito por outro mesmo se bem realizado. A morte (na realização do) próprio dever é preferível. (A adoção do) dever de outro carrega temor (consigo).”
“Arjuna disse,
‘Impelido por quem, ó filho da linhagem Vṛṣṇi, um homem comete pecado, mesmo que relutante e como se obrigado pela força’?
“O Senhor Bendito disse,
‘É o desejo, é a ira, nascido do atributo de paixão; ele devora tudo, ele é muito pecaminoso.5O desejo, se não satisfeito, resulta em ira.
Sabe que esse é o inimigo neste mundo. Como o fogo é envolvido pela fumaça, um espelho pela poeira, o feto pelo útero, assim este mundo é envolvido pelo desejo. O conhecimento, ó filho de Kuntī, é envolvido por esse constante inimigo dos sábios na forma de desejo o qual é insaciável e como um fogo.
Os sentidos, a mente e o intelecto são considerados como sua residência. Com esses ele ilude o ser incorporado, envolvendo (seu) conhecimento. Portanto, controlando os (teus) sentidos primeiro, ó touro da raça Bhārata, rejeita essa coisa pecaminosa, pois ela destrói o conhecimento derivado de instrução e meditação. É dito que os sentidos são superiores (ao corpo que é inerte). Superior aos sentidos é a mente. Superior à mente é o conhecimento. Mas o que é superior ao conhecimento é Ele (a Alma ou Ser Supremo). Conhecendo dessa maneira aquilo que é superior ao conhecimento e controlando o (teu) eu por meio do eu, mata, ó de braços fortes, o inimigo na forma de desejo o qual é difícil de se subjugar.'”
Notas de Rodapé
- 1A roda se refere àquilo que foi dito antes, isto é, dos Vedas vem o trabalho, do trabalho a chuva, da chuva o alimento, do alimento todas as criaturas, das criaturas novamente o trabalho e assim de volta aos Vedas.
- 2Tal homem não ganha mérito por ação, nem pecado por inação ou omissão. Nem há alguém desde o Ser Supremo até a mais baixa criatura de quem ele dependa para alguma coisa.
- 3Natureza significando matéria primordial.
- 4Os sentidos, com relação aos seus diversos objetos no mundo, são ou puxados em direção a eles ou repelidos por eles. Esses gostos e desgostos (no caso dos homens que, é claro, somente agem de acordo com a sua natureza) ficam no caminho de sua emancipação, se os homens cedem a eles.
- 5O desejo, se não satisfeito, resulta em ira.